photo by Pete Turner
Dias depois da festa, Theo é convidado para um jantar em que a importância da sua presença trespassava a função publicitária do que iria ou deveria vestir.
Naquela manhã acordara com uma sensação estranha mas que desvalorizou dado o desconto que se habituou a dar à sua criatividade espontânea.
Foi fazer umas compras pela Av.da Liberdade e lanchar com uma velha amiga.
Algures entre a sua fatia de pecado de chocolate ela prepara-o.
- Sabes que nesse jantar vão lá estar pessoas que não queres ver, não sabes?
- Sei, mas já é tempo de gerir estas coisas. A Laura pediu-me por tudo para estar presente. Ela precisa do meu apoio para subir as vendas e para a apoiar durante o jantar.
- Sim, eu percebo… eu disse-lhe que não podia ir porque tenho um voo hoje às 22h para Barcelona.
- Sempre vais hoje? Tinha percebido que irias só amanhã.
- E ía… mas para nem estar por perto esta noite decidi antecipar a viagem.
- Eu percebo. Mas não te preocupes, eu vou comportar-me como um senhor e guardarei toda e qualquer informação que te venha a ser útil.
- Eu sei meu querido, nem espero menos de ti.
Anoiteceu e ele já aparece no jantar prontíssimo para cumprir a sua função.
Estavam lá o agradáveis e os desagradáveis corpos do costume. A noite correu como esperada e já quando se preparava para abandonar a tão transformada estação do Rossio, olhou em redor e pensou num tom irónico: “Sobrevivi a isto, já nada me mata.”
Entra no carro e indica a próxima paragem.
A caminho de casa apercebe-se que afinal ainda lhe apetecia dançar. Muda a rota e liga à Leonor (a sempre em festa Leonor).
- Onde estão?
- A caminho do “Inferno”, vens ter conosco?
- Sim, apatece-me dançar e libertar as más energias de um jantar onde estive até agora.
- Foste ao jantar da Laura? Ela também me ligou mas eu nem lhe menti. Disse-lhe logo que me pedisse tudo menos isso. Mas vem cá ter, nós já estamos mesmo a entrar.
Ao inverter o sentido do seu rumo percebe que há um acidente na marginal.
- Se calhar vamos por dentro Manuel. Coitados… não consigo assistir a nada disto hoje.
- Sim, vamos por Alcântara.
Ao passar pela inevitável rua não consegue evitar olhar para a porta que revela o carro de outros tempos, como sempre, mal estacionado.
O seu corpo sente um estranho frio e o sorriso acaba por ser substituido por uma expressão nova.
Manuel, sempre atento pelo retrovisor, abranda prepositadamente a velocidade. Estavam quase parados naquela marcha subitamente lenta em frente à porta.
Theo nem tentou impedir. Pois as sombras que via descer pelas escadas já teriam sido antecipadas por aquele velho companheiro.
Dois vultos tomaram forma mas a pior de todas. Sim, era o corpo antigo com um outro que Theo nem queria acreditar.
O estranho e misterioso corpo que desaparecera da sua vida à mais de um mês estava ali mesmo à sua frente.
O carro fica imóvel. Os vidros fechados mesmo assim não conseguiam isolar o grito na face de Theo. Estavam ali os dois, juntos… os dois.
Como é que era possível que, em momentos menos sóbrios, ele tenha previsto aquela cena e rapidamente a recalcara pelo medo de ser injusto. Era a nova hipótese que explicava o desaprecimento e a total evasão. A pior de todas e a, ali mesmo à sua frente, a mais real.
O passado e o presente juntos na maior cumplicidade como se de dois ladrões de vida se tratassem. A cobardia e a mentira, a traição e febre nojenta da ambição tinham-se apoderado do momento e inundado aquelas duas faces que não acreditava ver através do vidro. A morte. O silêncio. A fuga.
- Manuel, vamos embora por favor.
O carro arranca a uma velocidade indiscreta e os vultos olham.
Não soube se for a visto, nem quer saber.
Abandonou o local do crime, ligou à Leonor para cancelar a noite e regressou ao Petit Trianon.
Quanto terá valido aquela traição? É a questão que carrega para o momento em que, entre as muralhas da cidade, vir confirmada e verbalizada a cena a que assitira.
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