sexta-feira, outubro 03, 2008

The Pleasure is all Mine


Quando o segredo do amor se revela maior do que o da própria morte.
De repente estava ali, sentado, com o corpo totalmente dormente.
As luzes e as gargalhadas em redor do, agora vulnerável, pedaço de carne, recriavam o cenário de todos os bordeis.
As cortinas de veludo, com o vento, acariciavam-lhe as pernas numa qualquer parte que não conseguia reconhecer. O feitiço. A maldição.
- Theo, estás bem? Vou buscar mais umas bebidas... estás a precisar.
Gritava ela insana numa euforia em que a anestesia a fazia voar entre a multidão de morcegos e vampiros iluminados.
Os olhares, as línguas mal presas naquelas bocas... os dedos que percorriam as formas todas e de todos.

Theo recupera e levanta-se lentamente. A força de uma memória contaminada rebentava com o que restava da saliva no seu olhar. Era urgente beber... a anestesia estava a enfraquecer e com isso trazia a consciência de tudo aquilo que queria inconsciente.
Arrasta-se dançante por fim. Os seios de Penélope e o longo cabelo de Sylvia.
O perfume... o som. A vibração da mais repetida das orgias que, entre o som, quebrava os encarnados fortes de todos os tons, e bombeava a veias nocturnas de todos os prazeres. O sexo. A vaidade.

Camilla volta e desta vez com uma bandeja que pelo caminho prometia atirar ao ar juntamente com os seus vintage red shoes. Procura por ele que já não revê no corpo que agora o substituía naquela cama dourada.
Estava à beira rio, no bar.
Talvez se tenha cansado de esperar ou talvez tenha sentido a urgência de veneno naquela garganta. Erguia a pose mas não conseguia evitar que o seu próprio cabelo dominasse a sua face. Estava absolutamente morto, estava finalmente de regresso à vida em si.

Ao fundo acena com toda a cortesia despedindo-se assim de um dos corpos modelo com quem tinha partilhado a lascívia horas antes... ou minutos... nunca o iria conseguir definir. Era o prazer desmesurado pelo gesto, era a contenção do seu peito e a diligência do seu perfume.

Faziam exactamente dois anos, exactamente naquele espaço, exactamente com a mesma cor. As luzes encarnadas e magentas que entre os quadrados minúsculos dos puristas resguardos inundavam as caras, os corpos, os cheiros, os sabores de todos os figurantes.
Dois anos antes, naquele chão de madrugada imunda, tinha partido o colar de pérolas.
Estava até então secretamente a juntar as suas partículas.

Ergue mais uma taça de champanhe e brinda ao inferno. Recorda-se da sua vida e pergunta a um estranho o que fazia ele ali.
O estranho, num estado deplorável e profundamente infeliz responde:
- Estou morto, já não aguento mais. O sol já nasce e eu estou aqui a adormecer. E tu?
- O sol já nasceu e eu acho que acabo de acordar.


Abandona o grande palco, a sua velha Catedral dos Murmúrios, já à porta deixa-se registar.
- Só uma foto meu querido, va lá... não pensava ir assim embora sem deixar a imagem.

Fez o número, cumpriu com o seu papel e sem peso abandona a cena. Entra no taxi e sem olhar para trás sorriu. Agora não do estado físico nem do estado de espírito...mas sim do imenso prazer da vida em si e da brutal vontade de todos os regressos.

***

CONTUSÃO


a cor aflui
ao local, púrpura e baça
o resto do corpo
está sem cor,
a cor da pérola.
numa cavidade da rocha
o mar sorve obsessivamente,
uma concavidade, o centro de todo o mar.
do tamanho de uma mosca,
a marca do destino
rasteja pela parede.
o coração fecha.se,
o mar retira.se,
os espelhos estão velados.


Sylvia Plath (1932.1963), pela água

1 comentário:

AnaT disse...

http://www.youtube.com/watch?v=gjkUlK58fMM

"The pavement smell just after rain
The sun leaps out, it's clear again
I told you how I felt the earth could move
The folly of a monster love like you

Everything comes around
Bringing us back again
Here is when we start
And where we end..."

monster love...again and again...