quinta-feira, maio 22, 2014

Breaking Summer

E não há nada como um boa carga de água em pleno simulacro de Verão. Sim, aquela molha e o cheiro a terra húmida quando já estás todo vestidinho à “chegou o Verão”! Essa mesma. Porque o que é que acontece a seguir? Desces a avenida cheio de frio cruzas os olhares de surpresa com todas as pessoas que também não contavam com aquilo, e não tens como te proteger. O caminho é longo e sabes que será inevitável o desvio. Não. Segues pela avenida abaixo e paras quando percebes que já não há nada a fazer. Olhas para cima e deixas que a água que se esgueira por entre as copas das árvores te invada a cara. Fechas os olhos e só existes tu e aquela musiquinha super hipster que trazes aos ouvidos. Sorris e não é por simpatia. É por prazer.
És assaltado por toda a merda que acontece discretamente na tua vida nos primeiros dias de Verão e de repente percebes que, para ser absolutamente perfeito, só faltava mesmo que estivesses na praia e dentro do mar quando aquilo está a acontecer. E não estás. Abres os olhos e segues o teu caminho encharcado e não evitas uma única gota.

De repente o Inverno veio só assim de fininho para te lembrar onde ías mesmo, e cais em ti.
Chegas a casa e ainda te consegues rir de ti mesmo, enquanto tomas aquele banho bem quente e pensas no que vais fazer para jantar. Foste tu e mais ninguém. Foste tu que optaste pela inundação em ti, e foi tão bom.

Anoiteceu, jantaste e a campainha toca. No intercomunicador ouves:
- Olá... É o carteiro da noite. Lembras-te? 
- Estás a gozar... 
- Não. Aterrei agora mesmo em Lisboa, estou com as malas na mão e vai começar a chover. Aceitas a  encomenda? ... apesar de vir com 4 anos de atraso, eu sei.
- Tens noção do que estás a fazer? 
- Sim... e só espero que me deixes entrar.

Abres a porta da tua casa e afastas-te pelo corredor. Ouves nas tuas costas os passos de um corpo a medo que pousa as malas no chão. Viras-te e assistes aquele momento em que a visita respira fundo, se enche de coragem, e diz: Tiago voltei.

Peaking Lights





Aquela miúda tem a cara e a liberdade da Maria Passos. quando tínhamos 14 anos e o movimento mental da Joana aos 22.
Sabes o que quero dizer? Não... pois não. Mas sei que perceberias depois de te contar. Que irias identificar as razões, sorririas em concordância e ainda troçarias da minha paixoneta pela Maria antes dos 15. Ela foi o meu par no jantar de gala aos 14. A Mica também, aos 13. Sim, anualmente tínhamos o nervoso miudinho na barriga quando se aproximava aquela data. Foram incríveis as duas. Mas eu na altura só me deixava perder no ar pela Marta. A miúda mais bonita do Liceu Francês que me fazia observar a sua própria leveza ao pisar a caruma do nosso pinhal. Eu era muito bom no badminton e ela sentava-se nas escadas à espera dos meus melhores lances.

Depois de te contar isto tu irias activar o teu modus operandi e irias exaltar o teu tom jocoso. Só para me dizer que era tudo um grande cliché. Naturalmente. Porque em ti mora ainda a necessidade estética de te indignares com as imagens que reconheces.
Correcto. Perfeitamente plausível ora não fosses tu um rebento de ónix que ainda não sabe a verdade sobre estas coisas. Eu podia-te contar a verdade. Saberia explicar-te aquilo que te disse que sentia ser o que nos distingue. A liberdade. A liberdade de tudo e sobretudo da roupa que cosemos anos em torno dos nossos corpos, para deixar bem claro quem somos e o que queremos ser aqui. A nudez imperial da absoluta segurança no seu todo, que assume os mais maravilhosos erros, é uma tendência que só se abraça quando se pode e não quando se quer. Mas para poder é preciso querer, e tu ainda sentes que gostas do aroma que vislumbras com toda a roupa. Cheiras bem, é um facto. Mas falta-lhe a madeira no travo, o ópio na memória, e o absinto no ar.
Estranho, porque agora mesmo vejo-te a rodopiar em torno daquele que só te poderá dar uma cerveja, uns cigarros e fazer acordar com a azia do absinto mais vulgar que arranjou para te manter ali. Estás por ali num movimento satélite em loop, do qual queres sair... bem sei.

Agora agarrava em ti e arrebatava-te, boa? Não ía dar, pois não? A jogada em ti é mansa e em silêncio não é? Deves ser cativado até te dares conta que já o foste, terás decidido algures no tempo que era assim que querias ser surpreendido certamente. Com toda a segurança do tempo e temperança de um alguém que tenha todo o tempo do mundo, e te faça sentir o protagonista da sua história também.
Para mim isso é só uma imagem criada por quem infelizmente se permitiu a ser mal-tratado. Por quem espera que o tirem de lá porque a preguiça e a inércia em si leva sempre a melhor.

Não és audaz. Não tem mal nenhum. És até um bocadinho maricas na verdade. Ainda tens medo de flores ou de ser visto aqui. Mas no sofá descontrais também é verdade. O vinho faz-te correr o sangue com uma temperatura mais humana e finalmente falas, aceitas e até concordas com algumas coisas. Nem todas, porque és demasiado jovem na maior parte do tempo, e isso provoca reflexos já mais do que automáticos que também não terão mal nenhum e por vezes alguma graça.

Lembras-te do Carlo Menta, não lembras? Duas ruas mais à frente existe um largo onde estarei a beber um gin na esplanada. Enquanto o ilusionista mórbido simula mais um truque parvo qualquer por umas moedas simples. Estás a ver onde fica não estás? O Grazie & Graziela.
É Verão e tu tens todo o tempo do mundo. Eu tenho a mochila pronta e vamos para norte, pela costa, e antes de chegar a Milão vamos parar no Como. Pode ser em frente ao lago, durante o jantar, que te explico o que aconteceu.

Tu até funcionas em teoria. Mas na prática estás imóvel.
Não te quero dar a volta. Não é preciso. Quando tu deres finalmente a volta vais reparar no que aconteceu e não precisarei dizer mais nada.

domingo, maio 04, 2014

Sabes o que tens a fazer, não sabes?

Sabes que queres acordar cedo e ir ao ginásio; queres fazer as tatuagens que desenhas na mente há anos e que nunca acabas por fazer porque as que tens já são as suficientes... Nunca nada que seja belo será suficiente porque no teu primeiro grito à nascença talhaste o teu destino de sempre querer mais contraste nas cores do céu ao final do dia; O lusco-fusco deverá ser contemplado como quando tinhas 20 anos; Lembra-te de te deitar com a cabeça nos pés da cama e deixares suspensa a testa sobre o fim, para saboreares o sol que te entra pela janela e te queima o rosto. Era tudo teu aos 20 e tinhas todo o tempo na mão para tudo isto; Vais dançar mais, dançar dançar e dançar novamente porque disso sabes que depende o teu equilíbrio e gargalhada; Vais abraçar o viajante que deixaste suspenso à espera no aeroporto. No teu aeroporto; Vais deixar-te levar pelos becos das cidades que amas e comer em restaurantes onde nunca entrarias; Vais desafiar-te fora da tua zona de conforto; Vais abraçar os teus amigos com quem andas para combinar coisas há uma eternidade e nunca tens tempo. Vais gerir de outra forma o teu tempo; Vais sorrir para os estranhos sempre que te apetecer; Vais beijar bocas que não falam a tua língua, ou que falem português mas a quem nunca lhes tenhas sentido o som; Vais dançar e dançar novamente como à pouco; Vais mergulhar em cheio e deixar-te boiar em todas as praias que conseguires apanhar; Vais-te apaixonar por uma noite, acordar na manhã seguinte e ter vontade de rir. Correr para aquela esplanada com os teus eleitos, que esperam ansiosamente um relato detalhado porque estavam lá quando se conheceram; Vais errar outra vez; Vais acertar tantas outras; Vais agarrar no violino de uma vez por todas e vais aprender a tirar dele o teu som para o Inverno; Vais ler livros em Francês até que a memória te traga de volta aquela língua que um dia foi tua, e depois regressas a Paris onde sentirás tudo outra vez; Vais querer fugir mas vais decidir ficar; Vais querer viver noutros lugares mas vais sempre saber que queres voltar; Vais avançar com os teus projectos e libertar-te de tudo; Vais voltar a desenhar todos os corpos que te morderam o coração e com as aguarelas revisitar as esquinas e recantos da Toscana onde adormeces há um ano; Vais correr sem medo de tropeçar e vais sentir que agora já podes e que tudo ficou lá atrás; Vais assumir todos os amores e cadências mas agora ao ar livre e com uma bebida fresca na mão; Vais planear fins-de-semana repentinos onde, de mochila às costas, vais ao encontro de alguém; Vais a concertos e a festivais; Vais a todos os festivais. Porque vais dançar dançar e dançar pela milésima vez; Vais emocionar-te com uma peça de teatro e reler todos os livros de história da arte; Vais levar alguém a um bailado e vais jantar com tudo o que tens direito; Vais-te apaixonar as vezes que acontecerem sem recear acordar um dia com um anel e sopa de ervilhas pronta a servir; Vais oferecer mais flores; Vais agradar as mulheres da tua vida e faze-las sentir-se as mais belas e corajosas mulheres do teu mundo; Vais rir e dizer disparates e ter conversas com os teus amigos cuja a dimensão transcenderá tudo, e no fim voltas a rir; Vais partir para o novo; Vais-te surpreender; Vais adorar a palpitação da adrenalina nas veias; Vais saborear tudo devagarinho e outras coisas depressa; Vais fechar os olhos e sorrir; e no fim vais dançar, dançar e voltar a dançar outras vez.


"I Was Trying to Sleep When Everyone Woke Up"
Noiserv