terça-feira, dezembro 06, 2005

“Porque amamos Marilyn?”


E se um dia eu pudesse exprimir a felicidade que sinto quando acordo das noite inebriante desta cidade e percebo que não estou só?
Se esse dia acontecesse teria início hoje.

Algures pelo chão molhado desta cidade estavam dois seres dentro de um carro em que as velocidades atingidas pela matéria não superavam as dos pensamentos dos corpos.
Deixaram-se ir como em tantas outras noites o tinham feito mas, desta vez, com um desconhecido como par.
Sentiam a adrenalina dos corpos a reagir subitamente a qualquer coisa que imaginavam ser a mais comum. Enganados pela fantasia entraram na famosa “catedral de todas as beldades solitárias”. Afinal também eles eram belos e também eles faziam parte daquelas orações. Queriam-se conhecer… queriam saber se seria mais uma noite de carne ou se o talho ainda lhes reservava alguma surpresa.
Não fugindo aos códigos e padrões tudo começou com um brinde de álcool para que o sangue ganhasse cor.
Corpos bonitos, visuais arrojados, beleza e sedução a transpirar pelos poros de cada corpo cobriam aquelas paredes. Na verdade eram os mesmos de sempre como em todas a noites debaixo daquele tecto forrado de gemidos.
Entre um whisky e outro as palavras já se misturavam com os gestos. Os pormenores já descortinavam o manto da descrição e a música servia para todos os pretextos.

Parei, olhei para ela e sorri…
“Joguemos ao tudo ou nada, joguemos o meu jogo preferido” — pensei eu quando o corpo já não reagia como esperado.

“Porque amamos Marilyn?”

E passados largos meses em que a distância geográfica nos surpreende sinto-me brindado pelo privilégio de ter vivido aquela noite e partilhado a existência com alguém tão fascinante como tu.

Há dias em que percebemos que não estamos sós… há dias em q sentimos que existem veias q bombeiam o mesmo sangue… há dias felizes como o de hoje em que me ofereceste isto que insisto em partilhar.

“Sinto e esqueço. A saudade. A saudade invade-me como um ópio de ar frio. Sinto-a desmesuradamente e sem pensar...não sei o que é...talvez um êxtase de poder, de ter...íntimo e opressivo. Esta tarde, em que sinto até transbordar, que tenho a malícia precisa de me destruir em afectos e de questionar o destino...Ontem perdi-me nas luzes doentias desta cidade, até me ofuscarem na melancolia romântica de que é feita a sua essência. São as pessoas que me rodeiam, são as almas que me desconhecem, que me conhecem com o sorriso estilizado e com o olhar intenso, me esgotam o ego e me dão o abismo do desgosto físico, o nó na garganta da inconsciência estúpida. É a sordidez monótona das suas vidas, paralela à exterioridade da minha, é a falta de brilho nos sorrisos e aquela coisa que brilha na ânsia funda da minha carne...Não sei...deixo a estupidez para os que se fecham no quarto, deitados moles na cama à espera do sono, deixo àqueles das conversas de sala de espera, onde a música e as vozes chegam como bálsamo indiferentes até mim... Gozo a brisa de tudo isto e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo nada nem procuro...Esperei à porta com os meus sentimos e então vi-te...desarmado, nu e desprovido do teu crescente imaginário...és tu que me vais salvar de existir...nos teus olhos há a mesma dor, a mesma angústia de sermos felizes, de sermos maiores...o teu sorriso pleno, amplo e humano que dá vontade de entrar nele, de sentir sem limites, cair...Caímos juntos sobre o pesar da mágoa deste universo real e impossível...caímos juntos sobre nuvens de tons fictícios onde o nosso sonho é mais alto, é mais longínquo...Com a saudade esculpi-me e retive-me longe, alheia ao ar, ao mar e à luz branca dos dias inúteis, onde a minha angústia artificial, a minha felicidade absurda floresce sem culpas em tremenda beleza...Somos irmãos siameses, mas não estamos pegados...tu és o infinito, eu sou a emoção...não se pode fugir de ti!”
Ana

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