segunda-feira, fevereiro 02, 2009

So Broken



Ao correr pela calçada numa tentativa de não chegar encharcado percebo que aquela tempestade era mais do que um temporal a fugir.
Parei, seguro bem a garrafa de vinho que prometera trazer e desvio os cabelos da cara.
Olho para cima e deixo que que a chuva me inunde a pele.
As gotas que deslizam até ao pescoço, lembram-me o mundo ao passar-me pelos lábios.

Levanto os braços e largo-me ao sabor.
Do alto do prédio oiço:
“Estás louco? Entra!!! Já te abri a porta, está um temporal!”

Sorri e, ao desligar-me da evasão, os meus olhos passam pelo teu carro estacionado que outrora ignorei.
Sacudo o cabelo e liberto-me do momento.
Subo as escadas velhas de madeira e assim que entro pela porta já aberta oiço a tua voz.
Dirigo-me de repente à cozinha para largar a garrafa, fazendo-me ouvir pelos ouvidos da sala.

- Como estás?…o que fazias ali na rua feito louco no meio daquele temporal? Eu por acaso estava à janela e vi-te. Da-me o teu casaco rapaz… estás todo molhado. A casa-de-banho é ali. Tens toalhas no móvel, já conheces.
- Tão atencioso como sempre, meu querido. Trouxe o vinho que me pediste.
- Pousa-o aí que já o abro.
- Eu mesmo faço isso, obrigado. Deixa-me só então limpar a cara para não assustar ninguém lá dentro.

Não sei como. nem em que exacto momento, aconteceu.
Mas de repente estava ali, completamente encurralado. O meu corpo em presença e a minha alma à deriva.

Foi quando sinto aquela paz de vida… Aquele momento em que nos transformamos em agentes observadores da nossa própria vida, em público presente em tempo real com o palco e a vida completamente visível.
Quando é que isto nos aconteceu? Como é que, depois de tanto tempo, ainda falamos infinitamente entre o silêncio de um espaço que só vê lidas as palavras entre o nosso olhar. E mesmo quando estamos de costas voltadas, sabemos, sentimos, a nossa própria conversa. As nossas próprias perguntas.

Como e quando é que se vem aqui parar... não me dei conta.
De repente alguém me serve mais um copo, e ao leva-lo ao sangue senti a recordação.

Surge então a tal imagem de que nunca iremos falar. Aquele momento único em que acordo e te tinha acordado, a olhar para mim. A ler-me, a guardar-me. Aquele primeiro “Bom dia…” inocente que mudou por completo os nossos rumos.

Sabes porque fugi no momento a seguir? Porque naquele segundo vi a vida toda à minha frente. Porque naquele momento vi que se ali ficasse perderia o rumo e amar-te-ia para sempre.
Mordeste-me o coração e isso apanhou-me de surpresa na cobardia e fugi.

Como o mundo gira nos nossos pés e nos surpreendemos com as voltas que a vida dá.
Tu entretanto casaste, e estavas ali. Eu divorciei-me e estava ali também.
Aquela manhã de Verão que, passados anos, surge numa noite de tempestade em que me apercebo do quão incrível pode ser a vida aqui.

Hoje é tudo tão diferente daqueles tempos… às vezes sinto que te devo um pedido de desculpa.

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