domingo, fevereiro 20, 2011

"Eu quero que você venha comigo (...)"


Acordou e deixou-se ficar nos lençóis quentes a admirar aquele sol que entrava pela janela e compunha sombras e formas inigualáveis naquele quarto.
Em câmara lenta sente os cantos dos seus lábios a elevarem-se transbordando um sorriso especial em si.
Deixa-se ficar... No silêncio daquela revisão da noite anterior.

Tenho saudades disto - disse ele ao olhar para um quadro no Braço de Prata.
Sorrindo entre o barulho de quem espera por uma bebida no bar ela sorri e busca-o com o olhar.
- Hum hum,.. Também eu. Disto.
Sorriu de volta e sente o calor que só ela se consegue transmitir. O entendimento perfeito e a telepatia intacta de um amor incondicional.
- Tenho mesmo... - De arte. - Sim. - Mas não é das outras coisas. É da arte. - Sim.

A bebida chega e ele continua a contemplar aquele quadro que estava na parede como tantas outras coisas. Não que o quadro fosse genial mas tinha sido o suficiente para o reportar à vida que teve e lhe faz falta.
Deixou-se ficar ali em silêncio com ela enquanto os restantes amigos aguardavam as suas bebidas e falavam de outras coisas.
- Sabes, ainda no outro dia disse uma daquelas coisas que te sai tão naturalmente que te obriga a confrontar a veracidade da espontaneidade em si. Do nada, ou num momento como este em que me lembro daquela época, olhei à volta e disse à Marta que sentia que no último ano me sentia mais bruto. De alguma forma aquilo ali "embruteceu-me". Ela, num segundo compreensivo passou para outro em que naturalmente, por suspeita e perspicácia, me questionou o porquê na certeza de acertar naquilo em que eu pensava.
Desviei o assunto porque não queria que ela me interpretasse de forma errada como incluída num bolo em que não a incluiu. Mas a verdade é que existe um facto com que acordei naquele dia. Precisava de me "afastar" mais um pouco de todo aquele universo e retomar o meu.
- Pois eu percebo-te. Mas talvez seja também porque agora tens menos tempo.
- A falta de tempo nunca foi desculpa naquele tempo, por isso não deveria ser agora.


Levantou-se e dirigiu-se à janela para ver o dia.
Estava ali a sentir o sol na cara quando o vizinho do prédio em frente liga a aparelhagem.
Caetano Veloso e Chico Buarque cantavam "Você não entende nada"
Tãoooo bom. Melhor era impossível. Acordar com a memória daquela conversa e sentir a confirmação da vida em si mesma com aquela música que era uma de muitas que serviam de banda sonora aqueles tempos.
Tãooo bom. Ficou ali, deixou-se ficar a aguardar a parte que sabia que adorava em que entre "Todo dia" do Caetano passamos para "Todo o dia ela faz tudo sempre igual" do Chico.
Tãooo bommm.

Viajou na vida e pela vida e o tempo perdeu qualquer valor no espaço ali.

Sem comentários: