segunda-feira, junho 21, 2010

GOLDEN CIGARETTES


Há muito tempo que não vinha até aqui.

Ao longo desta viagem de distância, muitas foram as vezes em que ao pensar os meus dedos escreviam no ar. Desenhavam danças não coreografadas e, levitando, escreviam as formas do que acontecia cá dentro.

Não sei bem porque já não me recordo, mas qual terá sido o destino que tracei quando me abandonei? Já não me recordo… Dei comigo na outra noite a olhar-me no espelho sem perceber ao certo quem era aquele que, sem qualquer luz, em nada se assemelhava à memória que tinha de mim mesmo.

Tenho tido tantas saudades minhas.

A semana passada, quando levei a Laura ao aeroporto, lembrei-me de todas as vezes em que as promessas eram cumpridas ao atravessar aquelas portas. Lembrei-me do quão fascinante era a vida nos tempos em que, sem vergonha nem constrangimento, me atirava de cabeça à vida. Era tão bom…

Não sei ao certo como vim aqui parar.

Existem noites em que o silêncio que tanto procuro tem barulho a mais. São as mil vozes na minha cabeça e as centenas de palavras que latejam nos pontos dos meus dedos sem que assuma a verdade de os deixar cair sobre um papel firme.

Hoje, depois de este estranho estado de espírito a que o meu corpo se atirou, senti a vontade de me quebrar. De me deixar cair e ceder ao cansaço com que luto sobre este próprio luto que se apoderou de mim.

Perdi a vergonha da minha própria vontade e cedi. Puxei a manta daquela música que me invade o espírito e torna inevitável o derrame do meu próprio sangue em mim.

Veio então a velha dor no peito, aquela dor que contenho e adormeço à qualquer coisa como um ano. Aquela coisa que me abre os pulmões e anuncia o dilúvio sobre a minha pele.

Ainda assim parei, antes mesmo do começo. Perdi a habilidade e a capacidade que tinha para me levantar depois dessa nudez. E por cobardia parei, antes mesmo do começo.


Estavas absolutamente maravilhosa ontem à noite. Não me canso de te o dizer. O meu corpo cedeu… desculpa. Quando me enfiei no carro e arduamente voei até casa não consegui evitar a sensação de ridículo em toda a situação. Mas a idade já não me permite fingir que haverá sempre uma saída que me irá permitir ficar na festa sem que nada de pior possa acontecer. Naquele caso não. Cheguei a casa e anestesiei-me até à demência. Ainda me dói tudo… de dentro para fora, como de fora para dentro.

Queria tanto ter ido hoje ver o mar. Mergulhar e sentir o meu corpo a boiar sem ouvir mais nada para além das ondas. Tenho saudades de qualquer coisa que me segure. Estou frágil e essa fragilidade irrita-me porque sempre fui a torre que quis ser e agora sinto falhas em mim.

Ontem, antes do jantar preparei-me meticulosamente. Olhei-me no espelho e pensei: Ergue-te, vai-te fazer bem. Fiz tudo o que sempre fiz outrora. O ritual da vaidade foi seguido do início ao fim. Mas em nenhum momento o senti. De repente parei novamente em frente ao espelho. Não sei se era da música que ecoava pela casa, ou se apenas teve que acontecer assim, mas mais uma vez senti o peso daquelas horas. O peso daquele sorriso e naquela postura do “está tudo óptimo, como não poderia estar?”. Obriguei-me ao ensaio do rosto. Ensaiei cada sorriso e cada gesto coreografado do meu corpo. Lembrei-me de como o fazia antigamente, como tenho feito nos últimos tempos. E consegui criar uma imitação do que fui outrora.

Assim que entrámos no salão e te deixei engolir pela multidão agarrei-me ao bar de entrada e aguentei-me naqueles minutos de segurança.

Estavas absolutamente maravilhosa, não me canso de repetir. Quase conseguia sentir que a as paredes tocavam a Stormy Weather só para te anunciar.

Há uma pérfida relação com a dor e a beleza que de facto nos torna ainda mais brilhantes do que aquilo a que nos acostumamos ser.

Senti o veludo da dor no teu perfume e quando me vieste salvar do bar e me recordar o razão pela qual eu ali estava não pude deixar de reparar no brilho do teu pendente com a segurança dos teus passos.

És uma mulher absolutamente fascinante. Cada passo que davas era como que uma solidificação do próprio peso da força que evocavas de dentro de ti para não revelares qualquer tipo de dano na discussão que ocultavas ter tido antes de entrar no carro.

Brilhante. Absolutamente delicioso.

Estavas com aquele brilho no colo que usaste na noite de Lèvres Suspendues, lembras-te?

De facto os cigarros dourados pareciam ter sido feitos à tua medida meu amor.

Neste exacto momento apetecia-me ter-te aqui e, entre aqueles cigarros e um gin tónico, poder dançar Green Onions.

Ai tãooooo bom… e como esta música me cura a qualquer melancolia.

Sabes que mais… não vou resistir mais. E vou recriar o mundo e, mesmo que não consiga regressar ao que fui, farei nascer um novo deus em mim.

Vou reencontrar-me com a Brigitte naquele secreto esconderijo onde nos refugiámos todos durante a La Belle Epoque, e prometo inspirar cada gota daquele mar e trazer de volta aquele brilho até nós.

Encontro-me neste momento a servir-nos o gin, a acender os teus cigarros dourados e despeço-me a imaginar que estás aqui comigo a dançar até cair.

Se este será o início da cura não sei, mas que é um lugar menos quente de que já precisava, seguramente é.

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