domingo, março 02, 2014

Sortir





Sir. Polignac tinha preparado uma refeição cheia de detalhes e meticulosos prazeres que tanto o caracterizam, e eu tinha chegado apenas com macarons.
Eu estava mais calado do que o habitual e ele reticente em relação a qualquer coisa, até que tomou coragem assim que nós sentámos.
Como estás? - Foi a pergunta que sem necessidade de qualquer contexto me fez perceber imediatamente do que falava. 

- Bem. – E no sorriso que aconteceu ao responder-lhe, dei-me conta que teria que falar sobre o que aconteceu.
- Fico mais descansado mas não consegui deixar de pensar no que me contaste. Sabes, no momento não quis elaborar nenhuma das muitas questões que surgiram na minha cabeça porque estávamos acompanhados e não sabia até onde poderia perguntar. Mas fiquei a semana toda a pensar naquilo. No que é que aquilo terá feito acontecer em ti. No que é que aquilo afinal representa.

- Sim eu percebo. Eu próprio acho que ando desde então a lidar com as mesmas questões. Claro que me questionei sobre tudo a seguir. De onde tinha vindo aquela frase em absoluto descontrolo que ao me sair daquela forma em grito, só poderia estar calada há anos e fazer-se sentir como uma verdade escondia. Questionei-me se afinal era aquilo. Tinha chegado até ali para aquilo? É isto o amor? Afinal ainda o amo? Como.. depois de tudo? Ou será precisamente pelo tudo? Questionei-me sobre tudo o que aconteceu até ali e sobretudo sobre o que era então aquele grito que me saiu pela a boca fora, num impulso que me apanhou desprevenido e nos fez ficar parados a olhar para o som, que já era autónomo no ar e já gerava o impacto nas nossas cabeças.

- Pois imagino. Foi nisso que pensei. Tu és tão pragmático e tens tudo sempre tão em ordem. O que terá acontecido? Quer dizer, eu sei... era aquela data fatídica e tu andas cansado. Mas porque raio te saiu aquela frase e logo com ele ali. Logo quando é ele que está ali no meio e tudo.

- Se calhar por isso mesmo. Por ter sido ele a provocar-me o assunto. Ele estava imparável num acesso de “moralismo” dos dele em que me culpava de toda a pressão em que eu estava, por não desabafar com ele. Por não ter ido dormir a casa dele...

- Pois percebo. Mas quando estávamos em Itália aconteceu alguma coisa que eu não tenha dado conta? Porquê isto agora?

- Não sei... Eu não me ando a reconhecer nos últimos tempos... Não me prevejo ou revejo em nada do que dou comigo a fazer nos últimos dias...

- Fiquei a pensar sabes? A pensar na vossa história, daquilo que conheço em ti e nas voltas que a vida dá. Não te consigo dizer nada em concreto como seria suposto. Um “vai por aqui ou vai por ali”... Não sei. Seja o que for o importante é voltares a estar bem meu querido. Mas não sei como te ajudar porque eu no teu lugar não saberia como estaria a lidar com tudo.

- Eu sei, obrigado. Acho que no fundo se calhar ía-me fazer bem uma viagem.

- Mas vais-te embora?

- Também tu? Não... não me vou embora. Confesso que me passou pela cabeça, tu conheces-me. Mas não. Estava a pensar só afastar-me uns dias e passear, não sei.

- Ia-te fazer bem, sim. Porque não voltas a NY?

- Porque para isso preciso de mais tempo. Estava a pensar numa coisa mais perto, Paris, Londres... sei lá. Uma das nossas cidade de hábitos e memórias. Passear ao sol, comer bem, ficar parado num banco a olhar para as pessoas do velho mundo... por aí.

- Eu vou agora uns dias para Amesterdão. Não queres vir? Fazia-te bem “voltar a casa”.

- Não, obrigado. Acho que preciso de outras casas onde não me esbarre constantemente com as minhas histórias daqueles tempos. Mrs. Dalloway convidou-me para ir uns dias para a casa de campo e eu acho que é o que acabo por fazer. Ar puro e o mais incondicional dos amores regado de bons vinhos e reflexões sobre a arte em nós. A Natalie também vai... devo-lhe também a paz depois do que ela me agarrou naquela noite. É uma mulher extraordinária e gosto tanto de a ter comigo. Vivo rodeado de pessoas cuja dimensão é enorme, e é mesmo isso que vou fazer. Vive-las.

- Pois percebo-te.

Estivemos à conversa num conforto exactamente igual ao que sentíamos quando tínhamos 18 anos e o tempo era apenas um instrumento a nosso favor durante um dia inteiro. 
Ele acompanhou-me pela Avenida acima e ao passar pelo banco de jardim senti a tua falta ali.
Queria ter-me explicado a ti mas tu não me deixaste. Paralisaste-me o momento para que nada nem coisa nenhuma ganhasse uma forma com a qual não soubéssemos lidar.
Mas saberíamos. Como sempre soubemos à nossa maneira.

Desapareci depois daquela noite e retomei o meu corpo a meu favor já longe.
Fui cuspido pela indiferença e a desvalorização que fincaste sobre o que aquelas palavras fizeram acontecer em mim naquelas horas.
Sonhei durante 3 noites com a agonia de te perder e da vertigem de, ao correr para te socorrer, ter sido substituído por outra memoria qualquer.
Ouvi-te a ti e a todos. Retomei o espectável comportamento face às necessidades que a ciência tem sobre os nossos corpos e enchi-me de coragem e voltei aquele quarto gélido e às tantas horas de sala de espera.

Fui viver uns dias para o campo e sentir o sol com as árvores de fruto. Li revistas antigas e livros de histórias que não me conseguiram embalar. Olhei para o céu de olhos fechados enquanto esperava que o sol me aquecesse a cara e me levasse para uma dimensão onde o silêncio não tivesse lugar.
Sonhei com a tua voz a dizer-me que poderia falar e que tinha chegado a hora de, juntos, entendermos o que era aquele lugar estranho onde adormecemos mais quentes.

Voltei para Lisboa e ao sentir as primeiras gotas da chuva corri para a rua. Fui passear à chuva por querer ficar encharcado. Voltei e tomei um banho quente. Enviei-te uma mensagem e, no silêncio, imaginei-te feliz. Estavas apaixonado por uma nova história de amor que nada tinha a ver com a outra.
Sentei-me ao computador e comprei uma viagem. 
Tu saberás onde me encontrar.


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