terça-feira, junho 23, 2009

Quente Sopro

Acordou de um sonho lascivo numa noite de verão em que o calor emergia pela madrugada.
Levanta-se e aquela imagem não lhe saía da cabeça.
Agarra no telefone e simula a marcação do seu próprio número. Sentia uma necessidade absurda de soprar aquele segredo que vivera enquanto dormira.
Fala como se para dentro de si contasse a verdade, na ilusão que de lá não voltasse novamente.

photo by Peter Turner

A tua pele era tão branca e suave. As tuas mãos eram fortes. Subjugavas-te numa dança curvilinea sobre o meu sexo. Entregavas-te a mim e denunciavas o prazer que vias reflectido no meu rosto. Era absurdo. Eles estavam a ver.
Quando eu me aproximei, tu estavas de costas como se não tivesses dado conta que eu estava ali. Entre a multidão puxaste-me com o teu braço contra as tuas costas, sem me olhares uma só vês. Viras então a cara e sorris. Como se nada mais houvesse a fazer para evitar aquele momento. Não nos valia de nada continuarmos a esconder-nos, muito menos de nós mesmos. O divórcio sentia-se marcado na tua cara. A dor de todo o processo não te permitiam fôlegos de extravagância. Foi tudo em câmara lenta. Como se o silêncio gritasse de alguma forma o teu desejo de me pertenceres para que eu te guardasse, agora para sempre. A tua pele tão branca. Os teus caracois loiros. O teu sorriso que revela aquele criatura adulta que ainda não desistiu de ser criança.
Noutro frame, já de olhos bem cravados nos meus, dizes-me num tom baixinho que precisas de dormir. O teu corpo chora e pedes que te abrace ao adormecer. Somos surpreendidos pela fatalidade do destino, pela clarividência contra a qual sempre lutamos... Somos surpreendidos por aquela fatídica noite de Verão em que, por querer, te despi e te guardei.


Congela-se a si próprio e, no verbalizar daquelas daquele sopro percebe o inevitável.
Pousa o telefone abre a janela.
Abre as portadas estendendo os braços no gesto. A brisa quase inexistente faz-se sentir, ainda assim, no seu peito, na sua cara.
A noite estava ainda demasiado quente para correr o risco de adormecer.

C860629

1 comentário:

Anónimo disse...

O subconsciente pode ser muito surpreendente. Incrível como me conheces a bela tragicidade que tão poucos conseguem captar mesmo após longos anos de convívio.