sábado, janeiro 27, 2007

Ao Som: Lacrimosa

Os últimos gestos pousaram.
A força da terra fazia o corpo sentir o chão onde acabara de aterrar.
Os últimos membros pousavam o passo...
Os pés reconhiam à sua primeira posição de compasso.
A coreografia parava para contemplar os últimos sons.
Os batimentos cardíacos daquela dança.

No silêncio, sente-se o som em fumo por aquele ar já gasto.
As talhas já não os sentiam de tão dormentes que estavam.
E os sons... as palavras não ditas porque de uma dança se tratava.
E os sons.
Os gestos...e o rosto.
Sempre o rosto... sempre o gesto...

A curva que se desenhava no alto pára, rígida, no topo.

Desce o rosto que , em âmago, serra aqueles olhares em estado líquido.
Ergue-se e sente-se o som...

O som... das talhas gastas, da madeira exausta, da saliva engolida, do sangue arrefecido...
do compasso.
O som daquelas últimas batidas... daqueles últimos sons.

O som, de tudo... em tão pouco tempo, naquele gesto cortez e rasgado dalguém que tenta anunciar o fim do especátulo, e o sabor daqueles últimos sons.



....e ao som: LACRIMOSA

We keep on burying our dead
we keep on planting their bones in the ground
but they won't grow
the sun doesn't help
the rain doesn't help

If my garden would have a fence
then the rabbits couldn't just come in
and sit on the grass
and eat all the flowers
and shit

Hi, i'm icarus, i'm falling
down, man for judgment must prepare me
spare, oh god, in mercy spare me

Man, I have a terrible feeling
that something's gone awful, very wrong with the world
is it something we made?
is it something we ate?
is it something we drank?

Hi, i'm icarus, i'm falling
from the dust of earth returning
man for judgment must prepare me
spare, oh god, in mercy spare me

Lacrimosa...

We keep on burying our dead
we keep on planting their bones in the ground
but they won't grow
the sun doesn't help
and all we've got
is a giant crop
of names and dates

Hi, i'm icarus, i'm falling
down on this day of tears and mourning
from the dust of earth returning
man for judgment must prepare me
spare, oh god, in mercy spare me

Lacrimosa...


by Regina Spektor



...ACTO PRIMEIRO, fim.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Flames to Dust

Existem dias em que o frio nos intrenha a pela e o sol apenas nos recorda, com o luto do seu calor, que à noite o gelo cobrirá a nossa cama.

Foi num dia desses que Matthew se sentou sozinho, na baixa da cidade, e contemplou o silêncio daquelas tantas vozes que não lhe pertenciam como antes.
A fadiga de uma vida veloz e intensa tinham-no levado ao limite. O corpo, rasgado, há muito que anunciava a sua segunda morte.

Tinha acordado do tratamento que odiava mas do qual já não podia fugir, e sentiu-se quente.
Só, mas quente. Talvez fosse a fantasia daquele inverno que lhe coloria o rosto, ou a recordação da fábula de outono à qual chamou felicidade tantas vezes.
Existia alguma coisa estranha naquele ar. Não era o frio intenso nem o calor dos poucos raios que atravessavam o azul. Não eram as últimas danças nos salões nobres, nem muito menos o cheiro da luxúria que cada vez menos o acompanhava.
Eram um cheiro a cinzas com tinta escorrida e espessa… era o cheiro a cinza sobre uma estranha folhagem de outono que cobria o chão. Eram os tons quentes sobre aquela manto gélido de emoções em estado líquido.

Era o abandono de corpo e sangue por ausência de vigor. Era o cansaço completo como uma bolha de ar demasiado denso para se conseguir inspirar. Era o desejo de mudança e a força de uma vida. Eram as talhas de um machado a seco sobre tanta vida submersa.
Era a segunda morte, de facto, anunciada.

sábado, janeiro 20, 2007

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Just breathe

La Délivrance


O dia amanhecera acelerado. O telefonema confuso da sua velha amiga ao acordar deixara-o verdadeiramente estranho antes de sentir as primeiras gotas de água.
Era ainda cedo para ele, mas ela, com os seus novos costumes e horários, não se apercebera que já estava em Portugal e que por lá as coisas eram bem diferentes... mais tardias.

Num rasgo de felicidade percebe que o dia já corria a meio e que a noite anterior lhe tinha forrado a desilusão de uma ilusão bem mais à sua medida.
O imenso Ego com que recordava cada olhar e cada gesto daquela noite faziam-no sorrir ao espelho.
Antes mesmo de sair de casa fez anunciar o seu regresso às luzes da cidade.
E que noite de tantas gargalhadas e felicidades fugazes. E que noite de tantas recordações e saudações indiscretas.

Saiu do banho e ao recordar a roupa que tinha usado sente de novo o seu toque.
Aquela voz, quente e envenenada, com quem sempre brindou ao maior dos mistérios, e com quem partilhou durante anos a chave de todo o universo de ser somente feliz.
Sorriu à maldade com que recordava o gesto... aquele quarto nunca, na verdade, voltara a ser o mesmo desde que partiu para Paris.

De regresso a Lisboa, Matthew sai de casa e sente o sabor da saudade.
Aquele corpo de Jo, agora tatuado com a solidão, escondiam a infelicidade e infortúnio do tempo. As surpresas e as palavras alternavam entre si como se de um jogo maquiavélico se tratasse... e a morte fez-se sentir, mais uma vez, presente.

A força daqueles dois era imensa... No fundo havia que respeitar a sua própria memória de imortais que sempre foram um para o outro, e sobretudo, para os outros.
Por dentro o sangue fervia-lhes de medo, ódio e sobretudo desperdício.
Cambaliantes, mas sempre sorridentes...iluminaram o caminho um do outro e decidem regressar aos seus casulos. Será a crença de verdade, será a felicidade em tudo, mesmo quando o mundo desaba em sismos e vertigens estrondosos.
“Será a força do vento que nos recorda quem somos, e por quem sempre lutámos. Será o caminho mais difícil, mas que seja então o mais glorioso também.
No fundo,... continua-se a morrer por tão pouco e a perder tanto tempo com tantas coisas pequenas. Que fazemos nós senão tentarmos somar tempo à felicidade que ainda podemos sentir?”...

E Matthew, ao chegar a casa, mesmo depois de desfeito em pó de osso adormeceu a sorrir.
Existem dias, noites, horas... momentos na vida, cuja a vida nos oferece uma caixa. Umas vezes negra, outra de veludo ou apenas papel... mas sempre com o mesmo lá dentro, uma verdade.

“Existem dias, noites, horas...momentos na vida... em que por mais que me doa o corpo e do sangue me reste pouco ar na pele, ainda adormeço a sorrir.”

Red Dance



...em contagem decrescente onde os minutos são engolidos entre a líbido e a fantasia de um reinado perfeito.
"A morte fica-nos tão bem."

sexta-feira, janeiro 12, 2007

I´m Back



A noite começa a cair, e nela sinto a vertigem de um delírio de morte, de uma sede de crime e uma vontade de sangue que me recordam quem sou.
Onde pousaste tu sobre o meu corpo e como o conseguiste fazer parar no tempo?... O cheiro da terra molhada daquele cemitério onde adormeci regressa-me o olhar sobre as estrelas e galhos escuros.
Morre-se tanto de uma forma tão inútil... Reserva-se tanto o siêncio e a solidão sem perceber absolutamente nada do que é viver.
Hoje a ironia rebenta, mais uma vez, na perfeição de crença de vida em mim.
Cansei-me dos trapos e saltos rasos... cansei-me dos clichés e das demandas de ódio que, no fundo, só encondem a cobardia de um grito contido, de um afecto retido, de uma vida com medos. Morre-se tanto no amparo desse substantivo tão confortável mas tão igualmente sombrio,...é a cobardia... é a morte.
Seja como for, a mim só me resta o reconhecimento da viagem em mim... só me resta tirar dela o melhor, e com ela esculpirmais um diamante do meu colar.
E que saudades sintia eu das minhas roupas de veludo e seda, das minhas cores escuras e intensas, dos meus perfumes fortes, dos meus diamantes esculpidos...de mim.
Hoje, adormeço o sangue com o vinho da virtude. A virtude de ser delirante, e infinitamente felíz.
Hoje regresso às luzes daquela cidade e brindarei com os corpos que comigo o palco partilharam... hoje regresso aos cabeçalhos de todos os jornais, e a todas a bocas húmidas de lascívia.

Hoje afundo... hoje mergulho o esquecimento, e elevo o tango a solo que em tempos perdi.
Hoje a noite trará de volta todos os brilhos e gemidos...hoje o odor a carne forrará o meu veneno... hoje mato-vos e esculpo estáuas de gelo...
Hoje parto...
Hoje regresso!

I´m Back again... ;)

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Suddenly I See


E agora, hoje mesmo, já sei.
É incrível como, num rasgo de lucidez, tudo me surge tão claro agora.
...
and Suddenly I See

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Away
again


Muitas teem sido as coisas que me acompanham ao adormecer, e muitas teem sido as palavras que deixo pendentes no ar sem as deixar escritas.
Mas, como noutras alturas e momentos desta grande passeata a que chamamos vida, terei que me ausentar por um momento desta descarga imensa em que se tornaram as minhas pérolas e os meus lábios.
Prometo ser breve e regressar o quanto antes.
Até lá, tenham uma vida plena e não deixem nada por dizer, e muito menos por fazer, nestes meses, dias, horas... nas horas até ao meu regresso.
:)