sexta-feira, janeiro 30, 2009

Love Lockdown

photo by Tiago Veiga at Oude Lelie Straat // Amsterdam // 16h

Estava uma tarde estranha… nem muito fria nem muito quente.
Theo toca à campainha de Leonor como sinal de quem já estaria a entrar no café como combinado.
A chuva que contornava as bicicletas lá for a trazia à memória outros invernos.
Estranhamente, Theo estava a pé por aquela charmosa Oude Lelie Straat.

Ela entra então de roupante pelo café adentro. Os sininhos no topo da porta deixavam anuncia-la mesmo antes dela trespassar as longas cortinas de veludo.
O sorriso rasgado e o cabelo preto naquela face maravilhosa, gritavam naquela sala o fernezim de uma vida. Theo amava aquela mulher extraordinária que tinha o privilégio de ter na sua vida.

- Cherrie, como estás?…ai desculpa o atraso mas o Patrick não se calava e não me saía de casa por nada… sabes como é?
- Olha, ainda não pedi, mas vamos para uma tarte de maçã?

- Aii…demónio… eu prometi a mim mesma que não comia mais esta tarte. Esta semana já será a terceira…mas está bem!Sabes que não resisto.

- Eu sei, por isso mesmo… assim ficamos com a ilusão que um pecado dividido é sempre um pecado menor!
- (entre gargalhadas e olhares encenados como se fossem duas celebridades preocupadíssimas com as calorias) Mas diz-me, tens a certeza que não queres ficar mais uns dias? Ainda à pouco estava a pensar nisso…”porque é que ele não fica mais uns dias?seria fantástico!Íamos à Nomad na sexta beber aquele cocktail de figo…”
- Eu sei meu amor, eu sei. Mas a tenho mesmo que ir. Já tenho o voo marcado e já confirmei o jantar na sexta.
- Hummmm…eu compreendo…


Chega a empregada que, desde sempre, os cumprimenta em Holandês, os serve em Inglês e volta a despedir-se em Holandês.
Theo deixa toda a cortesia nordica sob o controlo de Leonor. Hoje ficará apenas pela despedida.

- Mas conta-me, o que vais fazer agora?
- Não sei. Acho que estes dias me fizeram bem para pensar e respirar longe de tudo e de todos. Soube-me bem voltar a casa e matar saudades tuas. Mas acho que me vou embora sobretudo com a clareza do que não quero.

- Que dizem ser sempre o melhor…

- Isso darling… como se nós fossemos agentes do “pelo melhor”…

(e libertam um sorriso cúmplice)
- Isso é verdade. Mas olha, sabes que, muito embora já nem eu saiba quanto mais tempo aqui fico, enquanto ficar, podes contar comigo e regressar a esta cidade. Ainda a semana passada passei à porta da tua casa e tive aquela sensação…os nossos jantares, os nossos copos de vinho enquanto esperávamos pelo Poney. Aquela noite do Studio80… Ai que saudades.
- Eu sei… ainda à pouco passei lá à porta mas nem tive coragem de bater. Quem será que vive lá agora? O Baub? Com a sua colecção porno?…ai só de imaginar…

- Oh oh, nem me lembres…quem também estava a morrer de saudades tuas era a Monica. No outro dia encontrei-a na Puccini Bomboni e ela estava toda chateada porque um crítico qualquer se enganou na idade dela num jornal.

- Imagino… ele adora a idade que tem. Quem me dera ultrapassar os 65 assim, jovem. Mas na puccini bomboni?…ela não pode comer chocolates.
- Pois não sei, que estava com um ar deliciado como eu estava.


A rapariga loira chega então com os galões e a tarte de maçã. Coube ao Theo fazer as honras da casa agradecendo.
- Dankjewel
- Alstublieft

Os sininhos da porta fazem-se ouvir novamente. Do interior das cortinas surge a última pessoa que Theo conseguiria imaginar ali.
- Leonor…
- Sim?..que cara é essa cherrie?Conheces?

- Eu não acredito… não é possível.
- Ai…mas posso-me virar e ver?

- Não vai ser preciso, ele já nos viu, vem aí…


O silêncio apoderou-se da mesa e todas as pessoas em redor pareciam apenas estátuas de um cenário montado. A presença inesperada chega então à mesa.

- Theo? És mesmo tu? Não acredito.
- Tu? Aqui?… o que fazes aqui?

- E que tal se primeiro viesse o abraço? Então?
- Claro, desculpa…


Leonor, espectante, assistia ao momento num silêncio absoluto. Os olhos dela tentavam desvendar a identidade daquela pessoa na certeza que a cara dele não lhe era nada estranha.

Theo – Já agora, apresento-vos, Leonor é o Henrique.
Leonor
– Olá, muito gosto… é sempre bom ouvir falar português.
Henrique – Tu é que és a famosa Leonor… finalmente. Uma vez creio que quase fomos apresentados no Bairro Alto. Estavas de férias em Portugal e lembro-me que o Theo queria muito que eu te conhecesse mas já não cheguei a tempo.
Leonor – Pois sou eu mesma, culpada. Também já ouvi falar de ti.
Henrique
– Espero que só bem…

Leonor liberta um leve sorriso para não ter que responder e rapidamente bloqueia os dois segundos de silêncio com o convite.

Leonor – Queres tomar alguma coisa?Puxa uma cadeira e junta-te a nós.
Henrique
– Sim, claro. Estou só de passagem e, da rua, pareceu-me o Theo e não resisti. Sim, aceito, afinal de contas estou mesmo a precisar de um café bem quente.
Theo
– Só queres um café? A tarte é optima.
Henrique
– Sim, pedes-me um por favor que estou de costas?
Theo
– Claro. “Ik wil graag een expresso, alstublieft.”
Henrique – Mas conta-me… é aqui que tens estado escondido?
Theo
– Eu não tenho estado escondido.
Henrique
– Era aqui que estava então no meu jantar?
Theo
– Antes de tudo podes-me explicar o que estás aqui a fazer e como me encontraste?
Henrique – Vim a trabalho baby…E estava a fazer umas compras, deixei o João no Hotel, e de repente olho aqui para dentro e vi-te. Não queria acreditar e afinal és mesmo tu. É tão estranho estarmos aqui juntos. Logo nesta cidade…
Theo – É, de facto.
Leonor
- Então não é a primeira vez que vens a Amesterdão…
Henrique
- Não. Na verdade a primeira vez que pensei em vir foi quando ele se mudou para cá. Mas quando vim ele já tinha regressado a Lisboa.
Leonor
– Que pena… ainda à pouco estávamos a falar da casa fantástica onde ele viveu. Terias adorado concerteza.
Henrique
– Pois não duvido. Agora venho cá algumas vezes e sempre que venho lembro-me desse tempo.
Theo
– Não há muito para recordar…
Leonor
– Que disparate. Há sim senhor, e muito.
Theo
– Sim, mas por nós meus amor, por nós.
Henrique – É verdade… soube de uma coisa que queria falar contigo mas desapareceste. É verdade que tu “perfumaste o quarto” do Hugo de veneno?
Theo – Nem vou tentar perceber essa observação…
Henrique
– Com ele não Theo, por favor. Com ele não. Ele agora está tão bem… deixa-o.
Theo - Desculpa? E tu terias alguma coisa a ver com isso se fosse verdade? Poupa-me.
Henrique
– Claro que tinha! Eu gosto muito dele e ele é um míudo Theo. Não está propriamente apto para os teus “bailes”.
Theo
– Não me faças rir… ora, ora,… com o professor que ele teve, meu caro, está mais do que preparado para qualquer coreografia.
Henrique
– Não sei se estou a perceber.
Leonor
– Eu também não estou a perceber nada mas estou a adorar, continuem, continuem… Theo – É simples meu amor, eu explico-te. É que aqui o Henrique achou que conseguiria guardar o segredo durante muito tempo. O menino fugiu-lhe das mãos, foi viver para Lisboa, e ele agora, mesmo à distância, tenta controlar-lhe a vida. Sobretudo quando a dele, na boca do povo, se cruza com a minha.
Henrique – Mas como…
Theo
– Como é que eu sei? Oh meu querido, não foi preciso muito tempo para eu juntar as peças e perceber que “o menino mistério” que em tempos choravas num jantar em tua casa, era o Hugo. Agora poupa-me aos disparates que ouves porque eu e ele somos bons amigos. E mesmo que fossemos fosse o que fosse, ninguém teria nada a ver com isso e tu muito menos.
Leonor
– Ok, vou passar ao vinho! Querem?
Theo
– Não é preciso, o Henrique já não se demora concerteza e eu e tu ainda temos que passar no Jareen para ir ter com o David.
Henrique – Claro, tens razão. Eu estou mesmo de saída. Quando voltas para Lisboa?
Theo – Hoje mesmo à noite já lá estarei.
Henrique
– Gostei de te conhecer Leonor.
Leonor
– O prazer foi todo meu, volta sempre.
Henrique
– Até logo Theo.
Theo – Até logo.

Theo o Leonor continuaram a sua tarde de tarte de maçã e de vida cheia.
Retomaram as considerações da vida depois daquele episódio e reviveram todas as histórias em conjunto. Partilharam a vontade de estar ali a ver a chuva lá fora e a crença de um futuro com tudo resolvido da melhor forma.
Ao anoitecer, Theo, já se encontrava no aeroporto à espera do seu voo que o levaria de regresso a Lisboa.
Pensava na vida, pensava em tudo.
Pensava na Leonor, e na imensa saudade que sente permanentemente.
Sabia que um dia ainda viveriam os dois na mesma cidade.
E que um dia...a tal visão de jeans e t-shirt branca numa tarde de verão alentejano se iria comprir.
A vida às vezes leva mais tempo a passar, outras vezes lembra-nos que ainda bem que assim é para podermos saborear todo o seu detalhe e requinte de poder viver.


terça-feira, janeiro 27, 2009

Live for, Die for, Fight for...


Bryn Christopher

'The Quest' Live and acoustic

"E se de repente eu aceitasse?
E se de repente eu fosse à porta e entrasse no carro?

Sabes tão bem como eu que se aí entro jamais a vida será como a conheces.
Existem momentos em que acho que esse fascínio pelo risco não é mais do que uma ideia estúpida que, numa noite qualquer, te fiz acreditar que também poderias viver.

E se nos descobrem?E se te descobrem?... eu já pouco tenho a perder, mas tu...
Sai da minha porta. Liga o motor e segue caminho. Preciso sair e estás-me a bloquear a passagem.
Tens noção?
E não, não fui eu quem criou "o monstro". Bem sei ser sempre mais fácil atribuir-me as culpas a mim mas sabes bem que desta vez tudo fiz para que nada sequer tomasse forma.

Agora sai... sai.
E isto não é um pedido.

Sai, que preciso estar a sós."


quarta-feira, janeiro 21, 2009

Ceci n'est pas une pipe


photo by Hulton Archive in Getty

Ora ora…
Não rodopies com a língua sobre os lábios que alguém te pode achar guloso.

Não tragas uma caixa de bon-bons com fechadura.
Podes até divertir-te com a hipotese de te imaginares a massacrar uma criança com um rebuçado. “Toma, não…olha agora, ops..não podes comer. E já agora, não contes a ninguém.
A criança pode, sem querer, dar-te uma dentada impulsiva na mão, e deixar-te marcado. Ou pode simplesmente ignorar a oferta porque rapidamente percebe o seu preço.

Nem tudo acontece como prevemos e esse risco que se toma, por si só, já vale a pena tanta coisa.
Nem tudo o que parece é.
Às vezes um perfume entranhado num colarinho pode ser a marca fatal de uma traição, bem como apenas e somente um aroma que ali se alojou, sem qualquer intenção para além do descanso.

Às vezes podemos seduzir o mundo inteiro e adquirir o pronome de “sedutor” ou simplesmente não termos culpa de absolutamente nada. O risco de sermos acusados de algum crime que não cometemos aumenta apartir do momento em que estejamos presentes na cena deixada.

Um corpo abandonado e enerte no chão, pode passar de um simples cadáver a uma verdadeira armadilha. Ou não, simplesmente, as circunstâncias de uma vida levam a que esse exacto momento aconteça sem razão nenhuma aparente. Ou será que, a ser verdade, tudo acontece por uma razão… nem que venhamos a percebe-la mais tarde.

Nunca se sabe… porque na verdade até o dito “pipe” nunca foi, na verdade “une pipe”.

Na manhã seguinte acordei no hotel. A vista para o Tejo fazia-me inspirar como se fosse um exercício veneratório. Dei comigo, às tantas, já no jardim a tomar o pequeno-almoço (mais do que tardio) e a pensar: “O que fui eu fazer?

Mas se pensar bem, na verdade… eu não fiz nada.
(e neste momento um sorriso malicioso apodera-se da minha cara)

Não sei ao certo do que se trata, nem quero, na verdade, saber.
Só sei que se trata de qualquer coisa que, no passado, ficou marcada para um dia qualquer mais tarde.

E até mesmo neste momento, em que sobre a cama adormece o “corpo que temos em comum”, continuo sem soltar a “frase solta”… porque assim permanece como um simples e singelo objecto de arte, tão frágil e etéro como álcool.


C860629

segunda-feira, janeiro 19, 2009

La Madeleine de nous


Lembro-me dos pedaços de vidro no chão. Dos pés cambaliantes. Do som… desse tão nefasto veneno que me indunda pela noite e faz com que o meu corpo, possuido, se mova flutuante como as minúsculas partículas de oxigênio pelo vento.

Não gosto de prestar muita atenção ao que digo. Prefiro ouvir-vos para que a sentença nunca se venha a materializar na minha boca. É uma responsabilidade que não quero para mim. E depois, bebo demais, fumo demais, danço demais…inspiro demais.

Dei comigo entre a multidão a ouvir-te dizer “Mas há uma coisa em que te enganaste. Naquela época falaste de uma forma que mostrava uma total descrença em mim e que o meu fim seria o mais previsível. Como vês, falhaste…”

Mas é exactamente esse rastro de correcção que deixa o título de “a revelação” que eu sucumbi entre dentes naquele Verão. Eu descrebilizei-te sim, e não o confesso agora por despeito ou para te mostrar que tinha razão. Não, digo isto para corresponder de forma igual e honesta assumindo assim que te menti.
Naquele verão, naquela noite, exactamente naquela rua, eu senti que sabia que seria diferente de tudo aquilo como fim. Mas jamais o poderia assumir. O meu ego não me permitiu o verbalizar dessa sensação por me deitar a mim totalmente por terra. Sim, o que seria se, naquele Verão, o tivesse dito. Perderia todo o encanto. Assim guardei o “fim” só para mim e mantive-me até então, numa devida distância de segurança, a aguardar pelo momento em que assistia à sua materialização.

E por isso também, tive que revelar isso agora. Porque apesar de tão mais embriagado da vida que tu, não sou, no fundo, de certo, a fabulosa esfera gelada que sempre se espera.

E de repente dou comigo sobre aquele eixo vertical, em que todo o meu corpo parecia equilibrado apenas pela tua mão que me agarrava o braço. Dou comigo a verbalizar o “fim da linha” daquela conversa de Verão.

“Oh… um dia…”

E tu, revelando o que também acredito que exista aí de criatura demoníaca (sim, porque eu não acredito em anjos. Para, a existirem, serão todos criaturas normais apenas resignadas a uma conduta que já viu um rebelde a desobeder – o tal), ainda perguntas deliciosamente pelas últimas palavras que ficaram firmemente suspensas entre os meus dentes.
Umas questão de ego…uma questão de vaidade?Ou terão também os teus ossos alguma vez sucumbido à vontade de ver verbalizada a hipótese?…
“Sabes muito bem… sabes tão bem quanto eu por isso nem preciso terminar.”

E lá me lembro de sair de dentro da multidão... com aquele sorriso de prazer mais que infinito, que o risco nos atribui no exacto segundo em que sentimos a vertigem do “quase”.


“A única diferença entre o santo e o pecador é que cada santo tem um passado e que cada pecador tem um futuro.”
Oscar Wilde



Paris, je t'aime - La Madeleine


Estrela da Tarde



Uma tarde canto-te...

"Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia.


Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!"

"Estrela da Tarde" by Ary dos Santos e Fernando Tordo

terça-feira, janeiro 06, 2009

Crap Kraft Dinner


Olhei para o relógio e reparei que ja estava atrasado. A noite nesta cidade faz-me às vezes perder a noção do tempo e desde que escurecera devo ter abrandado o passo.
Desço a avenida então num ritmo mais firme mudo a música do ipod.
Nada de malas, nada de atrelados.
De membros soltos levava apenas uma garrafa comprada momentos antes.
As pessoas, os carros, as luzes, as árvores, as montras… a cidade.
Gosto tanto de descer a avenida a pé que nunca me canso de o fazer.

3ºesq/ toquei.

Do intercomunicador reconheci algumas gargalhadas e tive logo a certeza de uma noite bem passada.
A Clara recebe-me enquanto o bando já se tinha apoderado daquela que já foi a nossa casa tantas vezes.
Os abraços, os beijos, o reecontros, as histórias, as novidades.

Algures entre a cozinha e a sala de jantar oiço:
- Vens reparar o tecto do corredor?Ela insiste em manter o “traço pombalino” mas esta merda qualquer dia cai-nos em cima da cabeça.
- Não, não vim reparar nada meu amor. Como estás? Não sabia que vinhas. Se soubesse tinha-te trazido o DVD.

- Era para não vir, mas depois comecei a imaginar-me sozinha em casa e vocês aqui… não resisti e vim o mais depressa que pude.

- Pois, realmente costumas aparecer sempre depois de mim.

- Hoje superaste-me meu amor.


E aquele sorriso, aqueles lábios. Ela é das mulheres mais bonitas que conheci. De uma elegância e de um carisma absolutamente apaixonantes. Eu mesmo, quando era mais novo, não lhe resiti. Lembro-me agora. E foi tão engraçado. Naquela altura era de facto tudo tão perfeito.

O jantar tinha decorrido como esperado. O saudosismo de uma vida inacreditável entre um bom grupo de amigos que, por muitos rumos diferentes que tenha assumido, nos manteve sempre com a mesma cumplicidade.
As histórias e os detalhes sórdidos de noites demasiado alcoolizadas, as desilusões de amores perdidos, a recordação de outras paixões já esquecidas. Foi tudo tão bom.
O céu estava incrível lá fora e quando me aproximei da varanda percebo que a Clara estava por ali.
- Então meu amor?À espera de mais alguém? Anda dançar… já estamos todos alegres, não fiques aqui assim.
- Vou já meu querido, vou já. Hoje não me disseste que estava bonita.

- Porque estás sempre e hoje não seria excepção…ora… o que tens?Não costumas ser assim.
- Da-me o teu copo…
- Clara, o que se passa?

- Tens um cigarro?
- Mas tu deixaste de fumar…
- Va, isso é o que digo ao mundo, a vocês não preciso mentir.

- Toma.

- Obrigado.

- Mas queres falar ou queres que eu volte para dentro.

- Não, não vás… ou melhor, vai,..vai querido.
- Tu és linda… e já estava na hora de esqueceres esse gajo.
- Eu sei meu amor, mas se até tu levaste tanto tempo…
- Por isso mesmo, não te quero ver perder tanto tempo como eu perdi.
- Como conseguiste esquecer?
- Esquecer nunca se esquece. Mas muda-se de lugar a lembrança. Acho que o momento decisivo foi quando eu deixei de achar que não seria capaz e passei a decidir que seria.
- Va… vai dançar. Eu já lá vou ter, só estou mesmo a precisar deste cigarro e juro que regresso para os vossos braços.

- Está bem… estarei ali à tua espera.


Beijei-a na testa e voltei para dentro.
Mesmo no meio da improvisada pista de dança não consegui deixar de a vigiar.
A noite era perfeita, a companhia também. Todos a dançar como se o movimento nos atirasse ao esquecimento dos nossos amores fatídicos e só ela, a grande domadora de leões, se deixara levar pela dor.

Vejo-a a entrar finalmente de regresso ao clã e, de copo na mão preso apenas pela ponta de dois ou três dedos, brindou-nos com a sua graciosidade.

A beleza daquele momento era incrível.
Homens e mulheres extraordinários. Não por serem deuses ou deusas gregas mas por serem verdadeiros deuses do mundo em si. A beleza de tudo. O bom gosto, a elegância, o gesto. Tudo.

Deixei-me levar e do meu ipod dediquei esta música a todos nós.
Afinal de contas a beleza, bem como a juventude, tem um preço que sabiamos muito bem ser o denominador comum.
Ainda assim, que se lixem os outros.
Na verdade nunca perdemos nada que tenha sido realmente nosso.
Porque se perdemos, é porque nunca, na verdade, nos pertenceu.

Só nós… nós sim, somos nossos. E não há música que, por isso, não possamos dançar, nem vida que não possamos ter.


Crap Kraft Dinner - Hot Chip

segunda-feira, janeiro 05, 2009

HAPPY NEW YEAR

photo by Hulton Archive

E quando todos fechamos os olhos depois das 12 badaladas e desejamos tanta coisa? Estão a ver? É exactamente aí que me lembro de ter desejado, estranhamente, pouca coisa. Mas acho que de uma forma geral desejei um ano brutalmente diferente do anterior. Não que o tal do fatídico 2008 tenha sido mau. Terá sido apenas "mais complicado"!
Mas porque 2009 apetece-me como à muito já não acontecia e como desejo mesmo a todos o melhor, porque o bom é um marasmo de tédio apenas.
DESEJO-VOS O MELHOR da vida e que sobretudo esta vos corra nas veias sem que nunca vos deixe adormecer.

Tenham uma boa vida!
Façam pela diferença e tenham um 2009 FUCKING FABULOUS!