quarta-feira, janeiro 18, 2006

Peito a nu.


Há coisas que me sugam o sangue…mas que me enchem o espírito.

Ontém vive um momento que sinto maior.
A minha pele ainda está a acertar o passo, o meu corpo a recuperar a forma, os meus olhos a repôr o brilho, os meus ossos a retomar os seus lugares…e eu a voltar a mim.
É, de facto, fascinante esta coisa de “viver”.

Sabem o que é olhar para trás e pensar “Tudo isto dava um filme.”?Não pela prepotência de sermos tão importantes ou levar uma vida tão vibrante que alguém deveria fazer um filme para assim o mundo ter o prazer de assitir. Não. Mas sim pelo cinematográfico real da acção. Pelo momento que, rodeado de perfeição, poderia ser parte de um bom filme.
Desde o tempo, às palavras, às cores e até a “banda sonora”… tudo me parece hoje perfeito no abraçar dos sentimentos que foram vividos.
As personagens…ao grande público não interessam, até porque viverão pouco tempo no seu imaginário. Quanto muito poderão, com sorte, vir a ser recordadas numa conversa qualquer.
Mas ali tudo era real. As personagens eram pessoas de carne e osso,e, sobretudo, muito sangue.
Talvez tenha sido o “descurso do adeus” que a tantos fascina, talvez. Mas hoje olho para tudo o que se passou e sei que foi muito mais. Mais do que a despedida emotiva e bastante sofrida de dois sangues, foi o cravar nas nossas vidas de nós mesmos, um no outro, os dois na história.
“Se o tempo pára e nada à volta tem importância quando te beijo… é porque vale a pena.”
Sinto-me inutil ao tentar transmitir a grandeza do que aconteceu… jamais conseguirei, por palavras, fazer sentir o que senti, o que sentiste.
Foi grande…foi maior. Talvez até grande demais para as nossas, tão tenras carnes.
Como a dor pode ser marcante…como as marcas podem doer.
Como nos tornamos sós.
A vida por vezes conduz-nos por caminhos bizarros. E nós, lá vamos, munindo-nos de defesas e escudos para que nada nos doa a valer. Podemos fazer milhas assim, sempre a acrescentar mais uma defesa, mais uma camada. E nesse percurso chegamos até a adormecer…porque, com os nossos corpos, a anestesia cerebral poupanos ao pensamento e à senbilidade do peso.
Mas doi.
Doi quando, sem querer, encontramos alguém que já caminhou como nós, já agarrou nas mesmas coisas e já se vestiu da mesma forma. Doi reflectirmo-nos nela e com isso perder o controlo de nós mesmos.

Estive lá, tal como tu… perdi muita coisa, tal como tu. Por cada camada nova com que me cobri perdi algo ou alguém para suportar a caminhada. Mas foi por isso que não fui feliz, e foi por isso que, hoje, já sei assumir que também vivo medos.
Despi-me…e agora estou nu. Mas que alívio este descortinar de mim mesmo que tem sido um exercício penoso. Foram anos a mais a construir muros. Foram anos a mais a envenenar-me de mim mesmo.
Grita, cospe, chora, fala… mas não semi-serres os olhos outra vez. Perde o controlo que lá fora o mundo também não precisa assim de tantas linhas rectas. Não sobrivias a ti mesmo todos os dias… vive por ti mesmo o resto da tua vida.
Despe-te e sorri. Transpira essa beleza, torna-te real e liberta-te dessa pele que não deixa o teu sangue fluir. Não deixes que esses ossos congelem com a força dos ventos que aí dentro escondes. Grita, liberta-te.
Sê feliz…vive.

Hoje sinto-me honrado. Pelo que já vivi, pelo que vi e no que, pouco a pouco, tenho a coragem de me tornar.
Hoje sinto-me brindado porque te conheci…e de ti provei o meu próprio veneno da forma mais trágica mas doce que alguma vez quis.

Estarei sempre aqui para te ver respirar…para te ver crescer. Mas por mim, por ti, não sufoques mais tempo que ninguém tem real necessidade de brincar com o ar.

Viverei e espero um dia encontrar-te outra vez.
Desejo-te uma caminhada leve… desejo-te o que à maior raridade se poderia desejar.
Tem uma boa vida, e vive-a de uma forma saboreada.

Sê feliz e nunca te esqueças que a quantidade de ar que se precisa para viver é maior do que aquela em que vives e não tens o direito de forçar, por muitas razões que encontres, esses pulmões já tão cansados.

Inspira e expira… mas sempre com o peito a nu.

Até sempre… até amanhã, até um dia em que voltemos a oxigenar o mesmo sangue.

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