segunda-feira, novembro 27, 2006

Para aqueles que nunca leram, ou para aqueles que já o esqueceram.


Existem momentos em que ouvidos pessoas a gritar verdades que mais tarde se esquecem. Existem momentos em que nos lembramos dessas mesmas verdades e as consideramos lições, lições de vida.
Existem tantos momentos na vida de alguém que nos perdemos nos esquecimento de alguns.
Hoje existiu um momento em que, mais uma vez, a vida se mostrou perfeita e me recordou um texto que um dia alguém declamou, mas hoje já esqueceu...
Aqui fica, mesmo que no ar ou no vazio, para aqueles que nunca leram, ou para aqueles que já o esqueceram.


- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...

- Nao posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Nao estou presa...

- AH! Entao, desculpa! - disse o principezinho. Mas pos-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar: - O que e que "estar preso" quer dizer?

- Ve-se logo que nao es de ca - disse a raposa. - De que e que tu andas a procura?

- Ando a procura dos homens - disse o principezinho. - O que e que "estar preso" quer dizer?

- Os homens tem espingardas e passam o tempo a cacar - disse a raposa. - E uma grande macada! E tambem fazem criacao de galinhas! Alias, na minha opiniao, e a unica coisa interessante que eles tem. Andas a procura de galinhas?

- Nao - disse o principezinho. Ando a procura de amigos. O que e que "estar preso" quer dizer?

- E a unica coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se esta ligado a alguem, que se criaram lacos com alguem.

- Lacos?

- Sim, lacos - disse a raposa. - Ora ve: por enquanto, para mim, tu nao es senao um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu nao preciso de ti. E tu tambem nao precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu nao sou senao uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser unico no mundo para mim. E, para ti, eu tambem passo a ser unica no mundo...

Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:

- Tenho uma vida terrivelmente monotona. Eu, caco galinhas e os homens, cacam-me a mim. As galinhas sao todas iguais umas as outras e os homens sao todos iguais uns aos outros. Por isso, as vezes, aborreco-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hao-de chamar-me para fora da toca, como uma musica. E depois, olha! Estas a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu n??o como pao e, por isso, o trigo nao me serve de nada. Os campos de trigo nao me fazem lembrar de nada. E e uma triste coisa! Mas os teus cabelos sao da cor do ouro. Entao, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo e dourado, ha-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...

A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.

- Por favor...Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.

- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas nao tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...

- So conhecemos as coisas que prendemos a nos - disse a raposa. - Os homens, agora, ja nao tem tempo para conhecer nada. Compram as coisas ja feitas nos vendedores. Mas como nao ha vendedores de amigos, os homens ja nao tem amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!

- E o que e que e preciso fazer? - perguntou o principezinho.

- E preciso ter muita paciencia. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu nao me dizes nada. A linguagem e uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...

O principezinho voltou no dia seguinte.

- Era melhor teres vindo a mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, as quatro horas, as tres, ja eu comeco a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. As quatro em ponto ja hei-de estar toda agitada e inquieta: e o preco da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas e que hei-de comecar a arranjar o meu coracao, a vesti-lo, a po-lo bonito..."



by Antoine de Saint Exupery in Le Petit Prince

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