They were waiting for a cure...
Existem dias que marcam a mudança de um caminho. Existem pessoas que mudam o rumo das vidas onde tocam, momentos em que o mundo que conhecemos até ali se despede de nós e nos atravessa as memórias numa montagem cineasta mais fabulosa do que qualquer outras a que tenhamos assistido.
De repente, ou por vezes depois de uma silenciosa espera, erguemos o rosto e reparamos que o ar está diferente, que a estação mudou.
Olhamos em redor e sentimos o odor do tempo que sabemos se destinar a perfume.
Passaram afinal quatro estações. Quatro. Regressamos à última em que ficámos e percorremos fragmentadamente uma a uma, como se de um cinema mudo se tratasse com som apenas para dar voz àquelas palavras que nos mudaram as direcções.
É incrível a fortuna e perfeição da nossa mente quando recordamos uma vida. Ela trata de irracionalmente guardar ao longo do tempo todos os pequenos detalhes que sabe já fundamentais para uma apresentação racional de um dia. Elege as pessoas, as cores, os gestos, os cheiros e os espaços... as palavras e os silêncios certos. Deixa-nos apenas escolher uma banda sonora que, por cortesia, reconhece a inteligência de delegar à emoção.
É fabulosa a vida aqui.
Estava sentado naquela cadeira de Inverno ali no meio da multidão desde o tempo em que o sol começara a dar sinais de frio. Atravessou o tempo reconstruindo os detalhes daquela poltrona que tinha deixado a envelhecer noutros tempos. Sempre sentado coseu as feridas do veludo e retocou as lascas da talha pela estrutura.
E de repente... ou não tão de repente como isso, ergue o rosto sente que o frio já devolvia os sinais do sol.
Olha em redor e tudo o que sempre deixou que se move-se em seu redor parou por um instante. A velocidade congelada que agora trocava com aqueles corpos, formas, cores, cheiros e objectos fez com que se permitisse ao gesto de novo. Era só ele e o mundo. Só no seu relógio havia a possibilidade do acerto naquele instante. O Tempo estava congelado, o tempo do mundo.
Não sabia quanto tempo poderia durar aquele momento. Não sabia quanto tempo poderia gozar do gesto e da invisibildade de se mover com o olhar detalhado entre tudo.
They were waiting for a cure...
Não se perde nada quando já nada resta a perder – pensou.
Quatro estações. Quatro.
E aguardou na mesma sentado que a velocidade do tempo regressa-se a tudo para aí sim, na sua verdade, poder gozar da segurança da real invisibilidade.
O Tempo voltou e o gesto de tudo retomou o ritmo desde o ponto exacto onde tinha ficado como se nada tivesse acontecido.
Levantou-se pela primeira vez e rasgou o rosto com o sorriso que lhe semicerrava os olhos, como muitas vezes teve o privilégio de fazer na vida.
Olhou para a vida, saboreou a apresentação e escolheu a banda sonora.
Do bolso revê o seu relógio e acerta então os seus ponteiros com os ponteiros do mundo.
Avança um passo e percebe que tinha chegado a hora.
Abandona a poltrona e desaparece na multidão.
Oh, here we go
They're all waiting for a cure
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