segunda-feira, dezembro 12, 2011

Uma questão de tempo, ou prioridade.

" O Tempo é uma questão de gestão de prioridades. Se for prioritário fazer determinada coisa, acabas por arranjar tempo para ela. Se, na verdade, não for assim tão importante, o tempo encarrega-se de te ocupar nesse espaço."

Where are we going?


photo from Joesee

Saiu do hotel já se aproximava do meio-dia.
Havia qualquer coisa de familiar naquele ritual.
O porteiro abre a porta e deseja-lhe um bom dia. Aconchega-se no seu casaco de inverno e sorri como se retribuísse com calor o gesto.
Dois passos na rua e pára para que o gelo se fizesse sentir sobre a cara.
O motorista abre a porta do carro e, entre o jornal e as revistas do dia que estavam sobre o banco, repara numa moeda.
- Vamos para o aeroporto?
- Não, vamos a casa primeiro que me esqueci de deixar lá uma mala que não quero levar comigo.

- Não sei se teremos tempo.
- Teremos. Trata-se de uma viagem inevitável mas sem qualquer sentido se não fizer esta devolução.


We Bros

sexta-feira, dezembro 09, 2011

Red Wine I


- Sabes, não sei como é que aconteceu. - disse.
Sentei-me no sofá a seu lado e deixei-me ficar ali porque senti chegado o momento. Pressentia há semanas que a razão do seu silêncio, e a ausência das suas grandes noites pela cidade, teriam uma razão contida. Sentei-me e limitei-me a ouvir.

- No outro dia que me ligaste e não atendi, estava em casa da Lilly. Doía-me o corpo todo e naquela noite senti que nada me poderia interromper o momento.
Estávamos novamente os quatro como sempre imaginámos. Tínhamos o tempo todo do mundo e estávamos estranhamente em catarse emocional.

De repente, sem sabermos como, nós não estávamos juntos há meses e parecia que o mundo tinha acelerado no entretanto e nos levado para um aeroporto comum.
Como se estivéssemos sentados à espera do voo já definido e estivéssemos em silêncio a olhar para os bilhetes de uma estranha "terra nova".
Cheguei atrasado, para variar. Mais uma vez o meu emprego tinha engolido o meu tempo de vida e mais uma vez provocado a desilusão nos seus olhos.

Cheguei a tempo dos primeiros copos de vinho antes de jantar.

A Mrs. Lilly estava grávida de 8 meses e a viver naquela casa. Nos seus olhos conseguia-se ver a Lilly de antigamente em que o gelo do seu cérebro falha e a pele ganha calor.
A Mrs.Sophia tinha terminado a sua relação horas antes e, agora Miss, com a mesma força com que aguenta o roubo da sua jóia, aguentava-se de pé e de copo na mão, bem na esquina da bancada.
Mrs. Dalloway estava impecável dos pés à cabeça, como sempre, e falava das mudanças para a cidade. Na cara trazia uma expressão diferente quando me olhava nos olhos. Um medo.

De repente a Sophia desata a chorar do nada.
- O que foi? - Perguntei eu de imediato. E instintivamente abraçamo-la em conjunto e em silêncio resolvemos o assunto em segundos. Arrancada uma gargalhada e estávamos prontos a transmitir-lhe a certeza que tinha tomado a decisão certa e que, tal como o amor, a sua vida toda iria melhora.
Mrs. Dalloway, como sabes, sempre foi inigualável em colocar-nos de pé.

Tantas vezes me perguntei como era capaz. De onde vinha aquela força interior inesgotável. Para além da admiração e amor, ela tornou-se uma verdadeira crença na minha vida. E aquilo que tínhamos ali, aquela família como gostávamos de falar, fora construído por ela e era hoje absolutamente vital a qualquer um de nós.

Depois do jantar, em que regressámos às memórias de uma vida em comum e partilhámos a indignação pela ausência dos últimos tempos e o prazer pelo acertar de um passo, ela sentou-se ao meu lado no pátio interior junto ao beiral de plantas.
Senta-se a meu lado e pergunta:

- Tens lume?
- Tenho. Sinto que tens qualquer coisa para me dizer desde que cheguei.
- Tenho.
- Eu sei, tenho andado distante mas eu já te disse, é apenas um Inverno em nós.
- Recuso-me! Lá vens tu com essa história novamente... É isso que não entendo, como é que tu aceitas uma monstruosidade dessas?
- Estou tão cansado meu amor, mesmo...
- Eu sei e é isso mesmo que me assusta. Parece que perdeste a luz. Não me lembro de te ver assim em toda a minha vida. Estás calado, ausente e uma pessoa olha para ti e parece que carregas o peso de mundo às costas.
- Eu sei, é horrível. E eu que sempre odiei pessoas assim... Desculpa. Eu sei que não era o esperado de mim mas nem eu sei como é que aqui vim parar.
- Eu sei. É esse emprego e aquele de quem não se diz o nome.
- Eu sei... Mas, não consigo. Perdi-me de mim, não me reconheço. Lembras-te quando decidi mudar de rumo e aceitei este trabalho? Fabuloso, tudo fabuloso e agora nem me reconheço.
Sempre soube que teria que usar uma capa, criar uma personagem. Mas às tantas, as horas dessa pele foram-se somando e engolindo as horas da minha outra vida, a minha verdadeira vida. Aquilo não sou eu mas não tenho vida, e nas poucas horas que não me roubam, sou aquilo em piloto automático. Aquela personagem cínica e fria. Não tenho tempo para mim, para a minha família, para vocês. E quando consigo ainda venho em personagem.

Já não posso jantar num restaurante qualquer, ir ao bar de sempre, dançar até cair e dizer asneiras bem alto. Não, estará sempre alguém por perto a ver, que tenha que encarar nos dias seguintes num contexto qualquer profissional.

Embruteci. No outro dia, na vossa conferência, dei comigo envergonhado pela sede que tinha de certas palavras, significados e significantes, sabes? Senti-me como se estivesse a olhar para fotografias de uma identidade que já fora a minha. Tive tantas saudades do meu mundo.

- Ainda bem que reconheces, era mesmo isso que te queria dizer. Mas ainda bem que sentes o mesmo. Estás irreconhecível. Faz quaquer coisa.
- Estão aqui à conversa de parte? Tens um isqueiro?
- Tenho, toma. Estava aqui a dizer-lhe que estou muito cansado e daí a minha ausência. O monstro engoliu-me e sinto falta de ar.
- Pois eu percebo-te... E falaste-lhe também da outra história? É que isso também não te tem ajudado.
- Ainda não chegámos aí.
- Sim, mas também era isso que queria dizer-te. Essa pessoa suga-te. É um infeliz por opção e arrasta-te há mais de cinco anos com ele. Por favor, acaba com isso.
- Eu sei, tens razão... mas eu amo-o.
- Se ele te amasse da mesma forma estava ao teu lado e não ignorava a tua existência.
- Eu já lhe tinha dito isso Mrs. Dalloway. Se bem que acho que se ele sente que ainda deve tentar mais uma vez ser humilhado, porque é isso que está garantido, que o faça. Quanto mais não seja para ir ao fundo de vez e se levantar de seguida definitivamente.
- Tinha esperanças... cofesso que até há bem pouco tempo apostei as minhas fichas neste cavalo. Afinal de contas poderia ter sido uma história de amor brilhante com tudo o que tem direito. Mas chega. Estás de rastos, isto não pode durar mais tempo.
- Eu sei... têm razão. Eu só preciso de lhe dizer na cara, a olhar-lhe nos olhos, o que sinto pela última vez.
- Desculpem interromper mas a grávida estáva-se a sentir sozinha na cozinha. Qual é o tópico?
- Eu e Mrs. Dalloway estavamos a dizer-lhe que esta história com aquele de que não se diz o nome tem que terminar. Mas ele sente que precisa de uma conversa final.
- Por favor, isso é mais do mesmo. Se achas que precisas vai. Mas na verdade sabes bem que isso só se resolve quando tu já não sentires necessidade dessa conversa. Tu amas essa criatura, é um facto. Ele não te ama ou pode até amar, mas de uma forma muito infeliz e tu mereces ser feliz.
Tens que decidir seguir em frente sozinho. Por ti. Sem conversas nem desabafos. Simplesmente virar as costas e seguir em frente.

Calou-se por instantes e ficou ali a olhar para a janela. Eu deixei-me ficar imóvel e perguntei:

- E o que tencionas fazer?
- Esta conversa não me sai da cabeça. E sinceramente, não sei o que fazer.
- Vais falar com ele?
- Ele não me deixa.
- Foi por isso que terminaste a relação em que estavas há dias.
- Sim, não é justo. Não sou essa pessoa que deixa que alguém crie expectativas que eu saiba que irei defraldar.
- Percebo...
- Não sei mesmo como é que vim aqui parar. Mas sinto que uma coisa eu sei: isto assim não é forma de viver e tenho que mudar alguma coisa aqui.

segunda-feira, outubro 17, 2011

BERLIM I

Photo by Tiago Veiga
7'Julho'11

"Ontem foi o dia em que percebi que te teria que escrever.
Troquei de hotel para um bem mais simpático na zona nobre da cidade, mas ainda assim faltava-me qualquer coisa.

Quando se viaja sozinho, passados os primeiros dias de liberdade e entusiasmo, falta-nos sempre alguma coisa. Falta-nos sempre alguém.

Fui à Berlim Fashion Week e depois aproveitei para passear e fazer umas compras.
Passei um bom bocado no "Café Cinema", no Mitte.
Estava por lá absorver o quão familiar tudo me parecia, e dei comigo num regresso a Londres, numas das muitas fugas dos 20 anos.
Daquele café respondia ao telefonemas que procuravam soluções para o VFNO, e rapidamente me recordei que não estava ali de férias.

Chegaram dois rapazes com umas guitarras. Eu deixei-me estar a viajar pelos tons quentes daquelas paredes e pelas memórias de uma juventude móvel, somente com um cigarro e um sumo de maçã.
Tocaram três músicas do instrumental de Caetano Veloso e foram-se embora.
Eu fiquei ali. Estático no absurdo de todo aquele momento tão geograficamente improvável.
Na reacção à bagagem que me preseguia, decidi ir cortar o cabelo e levantei-me para que nada falhasse no evento de hoje à noite. Adoptei o corte de Berlim.

Regressei ao Hotel e fui mais uma vez sozinho à procura de um restaurante para jantar.
Sempre achei demasiado deprimente jantar em hoteis onde irei dormir.
Parei finalmente no Lieu - um restaurante Vietnamita com uma comida incrível.

Chega o meu copo de vinho tinto - um sul africano qualquer que passou a ser a minha companhia da noite - e ligam a música ambiente.
"Dance With Me Litle Stranger" pelos Nouvelle Vague, e não consegui evitar o sorriso.
Há de facto qualquer coisa de irónico nesta cidade.
Depois de uma refeição suberba regresso finalmente ao hotel e, pelo caminho, começa a chover. Não acelerei o passo... antes pelo contrário, e soube-me bem.

Hoje comecei o dia com a exposição que muita gente com quem nos cruzamos deveria vir ver.
Escondida na Jebenstrasse, dentro do Museum für Fotografie, está todo um universo brilhante de fotografias do grande Helmut Newton. É incrível o que não sabemos. Os anos 70 e os meados de 80 foram de facto extraordinários.

Agora mesmo, estou sentado na cafetaria da Bahaus Archiv.
Desde míudo que sonhava vir aqui e ainda estou em completo nirvana.
Acho que o dia de hoje trouxe uma nostalgia criativa que pressinto vir trazer-me algo de volta.
Quando te conheci eu ía ser o melhor designer além fronteiras... e de repente apercebo-me que nem sei como aqui vim parar."

domingo, julho 03, 2011

Morder-te o Coração

Fiz as malas e entrei no avião.
Ao topo da mala de mão que fiz à pressa sinto o livro que para ali tinha atirado.
Trouxe-o à tona e olhei para a janela.
Estamos em velocidade cruzeiro e a verdade morava ali.
Recordei-me do incrível que foi quando li aquele livro pela primeira vez.
Estava de luto, igualmente a sós, na Holanda.
Abri a primeira página e decidi mergurlhar-me na memória.

"ELE

Tu já não te lembras. Foi há dez anos, neste mesmo quarto, a olhar o Pico, os barcos, o azul-cinza do mar calmo, a cama por fazer, os livros e as revistas espalhadas, tu à janela, a olhar para fora e depois, sem pressa, num gesto pausado, a camisa de alças a fugir do teu ombro, uma alça apenas, fininha, o teu sorriso a crescer e a frase

Anda, anda morder-me o coração.

Tinhas, naqueles dias, a tranquilidade. como se estivesses bêbada de paz, o teu corpo andava pelas ruelas a dançar numas sandálias de corda e pano, azul-celeste. Comias gelado com cuidado para não sujares as mãos e ouvias-me falar, os teus olhos prisioneiros nos óculos escuros, enormes, de massa preta, anos 50. Eu falava depressa, de tudo, contava-te a minha infância, os dias negros no liceu de padres, a tarde em que rasguei a garganta com o fumo de um cigarro enrolado à pressa no quarto do meu primo Francisco.

Descrevi-te em pormenor as sardas da minha primeira paixão, a curva acentuada do ventre, como se estivesses grávida, grávida de doces, pipocas e rebuçados de papel brilhante vermelho Bolas de Neve.

Disseste que os rebuçados eram bolas de neve e esse reconhecimento comoveu-me, como se fizesse mesmo parte do meu mundo, como se dominasse uma linguagem interdita aos outros, tão natural para nós.

Sentada na esplanada da ilha, com os pés enrolados debaixo das pernas bronzeadas, a ponta do vestido a espreitar a tua coxa, distraída, brincavas com os dedos enquanto eu prosseguia na minha história e, depois de me ter despejado para cima de ti, todas as minhas verdades, todas as minhas mentiras, olhaste com aquele sorriso pequenino. Declaraste-me oficialmente o homem do teu Verão. E cumpriste a tua palavra.

Ficámos os dois a ver os barcos e a comer devagar refeições de pão e queijo, peixe e mariscos. Quando falavas - e tu raramente falavas -, era sobre a tua casa, a planície e o rio. Tinhas inveja da ilha por ter mar, por ter liberdade, mas contavas histórias sobre as barcas nos rios e foi contigo que aprendi que quem navega não sabe conversar porque o rio tece mistérios vedados às palavras. Contaste-me que em Veneza os gondoleiros têm barbatanas nos pés para poderem andar em cima da água.
Riste-te, lançaste a cabeça para trás e os teus óculos caíram na calçada, um barulho de plástico a revirar nas pedras. Foi então que descobri o rio nos teus olhos e comecei a amar-te.

Todos os anos venho aqui. Fico no mesmo quarto e vejo-te, de manhã, enconstada à brisa que te levantava os cabelos, a dizer

Anda, anda morder-me o coração.

*


ELA


A questão não é saber se o amor nos aconteceu. Isso é tão relativo que o silêncio é o melhor. Percebe-se melhor.

Naqueles dias eu achava que não éramos nada, tu e eu.


Podíamos dormir juntos. Podia sentir o teu suor sobre o meu peito, os teus ruídos na casa de banho, a forma como mastigas a pastílha elástica, elegante, por vezes entreabrindo a boca num sopro que se aproxima de um suspiro. Podíamos rir e chorar, contar as deventuras da adolescência, porque nada do que era verdade e, por isso, me poupava nas palavras, para não te castigar com tantas mentiras.


Tudo o que passámos, naqueles dias, não era definitivo, não tinha coordenadas futuras, seria, por fim, o crescendo que iria morrer de repente. Olhava-te no sono e pensava que sabia exactamente a data em que o amor se iria desfazer.


A ilha estava congelada no nosso abraço. Nos teus pensamentos era tudo o que fazia sentido. Eu tinha um prazo. Uma vida à minha espera, um regresso feito de poucas memórias. Ficarias em terra, náufrago de mim, sem perceber os destroços de nós.


Sabia exactamente o vermelho do sangue que te iria escorrer da alma, como uma tinta, como um salpico de dor demasiado forte para o teu corpo magro.


Não tenho coração, pensava nas noites em que ficávamos a olhar o reflexo da lua no atlântico.

Tu contavas a história do duende prateado que tem que acender as luzes todas do mar da tranquilidade. Ele que prometeu ao sol que pode dormir sossegado. Haverá sempre uma luz para espantar as coisas más.


Quando me fui embora, não deixei morada.

Hoje, quero que saibas que não te disse nada e quando te pedi para me morderes o coração era só para me certificar de que ele existia no meu peito. Tu preferiste beijar-me, nunca me mordeste e, assim, fiquei sem saber."





in Morder-te o Coração de Partícia Reis

sexta-feira, junho 24, 2011

To Build A Home



Entrei com a mesma convicção que sempre entrei naquele aeoroporto.
Sentei-me no mesmo banco que me sentei quando, com poucas malas, me larguei em Biarritz.

Ocorreu-me o sabor daquele vício cíclico a que cedo sempre que não consigo entender o amor.

Lembrei-me da fatalidade das palavras da Lea Doval, quando me ofereceu a sua companhia naquela tarde no Hotel du Palais.

Logo de seguida também me lembrei que o tempo era de facto um fenómeno atento na história da minha vida.

Fazia exactamente um ano que o meu corpo vagueava por aquela praia à procura de uma razão para voltar a Portugal.

Pensei várias vezes em levantar-me e dirigir-me ao mesmo balcão.
As caras já me pareciam familiares e o que isso tinha de reconfortante, tinha igualmente de assustador. O significado de estar ali mais uma vez, com a mesma sensação reflectia a fadiga no meu sangue, estimulava a humilhação sobre a minha própria figura.

Deixei-me ficar ali sentado mais um tempo... e o tempo foi passando.
Escureceu lá fora e os sons das chegadas já não se destinguiam das partidas.

Olhei para o telefone e contei as horas do silêncio.
Levantei-me e dirigi-me por fim ao balcão.
Regressei a casa e no caminho apercebi-me que ainda não estava certo do que iria fazer.
Tirei apenas uma mala do armário e deitei-me a seu lado.
Esperei por ouvir o telefone finalmente tocar e adormeci.


"I love you too."

quarta-feira, junho 15, 2011

Há dias em que um mundo virado do avesso também faz todo o sentido.

Photo source Hello From Lisbon

O despertador toca e, entre as ondas do mar que chagavam à minha costa ainda meio a dormir, chega a aquela voz quente que apela ao um Come on skinny love just last the year.

Estava uma luz absolutamente brilhante e eu saí de casa pronto para um pequeno-almoço inusitado.
9.30h na Confeitaria Nacional, mesmo aqui em baixo no coração da cidade, e chega ela com um ar desgrenhado.

A presença da noite naquela figura é inevitável mesmo numa manhã de Verão. Mas Joana não se desmonta na pose.
Lá se foram os brioches e as meias de leite e podíamos estar em Paris, NYC ou Milão. A contemporaneidade do sentimento ali assentava em qualquer lugar mas ficava ainda melhor exactamente ali, na maravilhosa Lisboa.

- Sexta quero-te lá na festa em homenagem à Marilyn.
- Esta sexta? Esta sexta devo estar a caminho do Alentejo. A Carina faz anos e em princípio será lá o aniversário.
- Não acredito. É com dresscode e tu vais perder uma grande festa.
- Acredito! E ainda por cima de homenagem a ela... a ver vamos!


Subiram a pé a Avenida da Liberdade onde foram prolongando a conversa em atraso.
Deixa-me à porta do trabalho e lá subo eu para mais um dia onde tentaria repor a ordem depois daquele meu escape de uns dias na praia.

A meio do dia agarrei-me ao telefone e, em busca da casa de sonho, redesenhei a planta de todo um imaginário feliz num futuro próximo. O Peter haveria de gostar daquele plano.

De volta à secretária e recebo uma mensagem de Isabelle: "Porque é que amamos Marilyn?"
E muito embora de Londres, para sempre de Paris, chegava o grito de quem vive silenciosamente atenta. Senti um frio na barriga e recordei-me do exacto momento em que lhe perguntei aquilo na varanda do espaço que agora homenageava a figura.

Era verdadeiramente surreal a sensação vertiginosa das voltas que a vida nos tinha dado para mais tarde nos retomar o lugar.
O amor pela tragédia e pela beleza que numa simples mensagem nos levavam de volta aquele Dezembro de 2005. Nada mais foi igual... e até hoje, seis anos volvidos, a realidade que construímos sucumbia ao silêncio dos segredos mais bem guardados do cinema.

O Vasco fazia-me falta mas estava finalmente a acabar alguma coisa a que se tinha proposto.


Ao descer a Avenida, já de regresso a casa, ligo à Piaf para saber como estava, e senti que realmente nisto a vida tinha sido feliz. Ali estava mais uma pessoa que fazia todo o sentido muito embora a tenha conhecido num dos ambientes mais absurdos por onde passei.
Só com ela faz sentido na perfeição uma dança lenta fumada com Golden Cigarretes.

Passo pelo Teatro Tivoli e deixo à esquerda o cartaz que marcou toda uma outra vida, que hoje mesmo se anunciava novamente apaixonada. O Lago dos Cisnes em cartaz.
Ainda guardo a preciosa caixinha de música que me recorda uma história de magia absolutamente inesquecível. E o Rui pareceu-me finalmente feliz.
Não resisti e voltei atrás. Trouxe o folheto e a promessa de que iria rever dia 27 ou 28 do próximo mês.

Ao sair encontro o Pedro, com aquele sorriso inconfundível, à conversa com um rapaz que timidamente lá se apresenta.
Hoje era um "jovem criador nacional" e até nisso o sorriso em silêncio me encheu o peito.
Um dia, estava eu a navegar por blogs e sites internacionais quando encontrei um trabalho dele. Naquela mesma semana a Catarina tinha-me perguntado, como quem pergunta a uma jovem alma o que há de novo, se eu não tinha novidades e eu falei-lhe dele por precisamente ter um trabalho interessante e ser português.

Uma semana depois era página do jornal para qual a Catarina o tinha entrevistado. Nessa semana mostrei o artigo a quem sugere, e pouco tempo depois aquele rapaz tímido aceitava o convite para integrar a semana de moda nacional.

Soube-me bem ele não fazer ideia de quem eu era ou tinha sido no seu percurso, e sobretudo de eu me sentir mesmo bem com isso. O efeito borboleta da vida em si mesma sempre foi uma das coisas que mais me agradou no "viver aqui".

Deixo-os e percorro o que resta do caminho para casa.
O telefone toca e o Ricardo dizia-me que me ia ligar mais tarde só para conversar. Agora não dava tempo porque estava a entrar para a terapia.
Às vezes dou comigo a querer conhecer aquele psicólogo que, de alguma forma, já deve achar que me conhece também.


Já em plena Praça do Rossio ligo ao Miguel e desafio-o para um café.
E mais uma vez o impensável morava ali. Disse-me que sim sem hesitar.
Anos e anos depois de toda uma história igualmente enriquecedora e finalmente poderíamos voltar a tomar um café e aproveitar a vida sob aquela lua fantástica.

Estava à espera dele em casa quando o telefone toca. Era o meu Peter que ao dedicar o dia si e ao amor que finalmente recuperou por si mesmo me diz: Só para dizer que te amo :)

Releio a mensagem e acho fascinante o facto ter passado o dia com a sensação que já não lhe dizia o quão gosto dele há algum tempo.

E o telefone toca novamente. E o insólito vive mesmo aqui. O Miguel estava lá em baixo para irmos testar o Terraço do Chão do Loureiro.

Estava fechado mas valeu a pena a vista.
Passámos no Chapitô mas estava cheio e seguimos a pé até às Portas do Sol.
Por lá ficamos com a Lua pré eclipse que marcava o Tejo e dois Morritos depois tudo fazia finalmente sentido outra vez.
Foi absolutamente reconfortante voltar a ter a companhia do meu "Mira Miguel".
Hoje sei que foi uma das pessoas mais marcantes da minha vida e o afecto que lhe tenho será eterno e incondicional.

Regresso a casa e tive direito a um concerto privado de guitarra pelas mãos do que é hoje um homem de sorte e outrora uma criança perdida. E revela-se mais uma momento de um amor incondicional.
Os acordes fizeram-me voar até S.Pedro de Sintra. Aos tempos em que se passavam as noites na Taverna dos Trovadores e a promessa de um futuro artístico e intelectual nos enchia os sonhos.

O telefone toca pela última vez e a Mrs.Delloway relembra-me o atraso.
Ligo à Carina a dar-lhe os Parabéns e fico estático no sofá a admirar a maravilhosa sensação de ter uma família insubstituível, onde o amor nos embala os dias.

E a vida, numa noite de Verão em Lisboa, mesmo que pareça toda do avesso continuará certamente a fazer todo o sentido.

LOVE YOU ALL

terça-feira, maio 31, 2011

SAVAGE BEAUTY

Met Gala 2011 from Kluk Jeanovej on Vimeo.



"Às vezes ainda precisava de olhar pela janela para ter a certeza que estava ali.
A sua pele ainda trazia a marca que a "A Scent of Intrigue" do Tony Hymas lhe tinha cravado no momento em que ficou estático, numa contemplação absurda, perante a beleza do black duck feathers dress sob o título The Horn of Plenty (AW2009).
Sentia a sede de um corpo desidratado de tanto assistir. Era a beleza no estado mais magnífico e controlado.

Olhou para o chão e viu ainda o seu smoking manchado de uma bebida qualquer.
A caixa negra estava vazia mas no bolso do casaco encontrou o panther que, simbolicamente, usou no dedo na noite anterior.

O concerto e a toda aquela música de multidão repetiam-se infinitamente na sua cabeça.
Ela afinal era mais do que uma performer, era de uma beleza em palco que parecia irreal não fosse todo aquele contexto igualmente perfeito.

Dog Days Are Over by Florence and The Machine

Amanheceu e tratou das malas que ainda nem tinha desfeito. O voo da sua amiga Gabrielle chegava dali a umas horas e ela vinha destinada aigualmente esquecer Lisboa.

Arrumou tudo e saiu do hotel mesmo antes dos amigos mexicanos abrirem as portas da frente.
Parou no Brian Park e sentia-se decido a acabar o malfadado livro que parecia não ter fim.

Estava um dia de Primavera como há muito não se via ali. As pessoas estavam todas sorridentes e disponíveis. Por momentos pareciam até ter esquecido o suposto assasinato que prometia uma vingança mundial e ainda estavam embriagadas com toda aquela beleza que a gala da noite anterior tinha trazido à cidade.

A cada folha que passava lembrava-se das imagens daquela noite. A cada fracção de segundo deixava-se viajar por entre cada detalhe que o seu corpo absorveu. Era mesmo incrível o efeito que aquela noite tinha tido em si.

O dia passou e já ía pela Madison Ave. a caminho do hotel, quando o telefone toca.
Deviam ser ainda umas 5am em Lisboa.

- Tu sabes... as you know, sou do tipo "cara valente"... e sim, sinto a tua falta e tu em NYC.

Deixou cair o telefone no chão como que em câmra lenta e ficou absorvido de tal forma que não havia qualquer tipo de replexo motor na sua sombra. Congelou. Consegui apenas ouvir a sua própria respiração e mais nada.
Segundos depois, mesmo sob a sensação que tinham passado horas, decidiu assumir que tudo não passaria do efeito do alcóol e da música do LUX, naquela catedral dos múrmurios em que se transforma a noite em Lisboa.
Nada mais que o reflexo do alcóol num corpo cansado da vida saudosa a que se condedara anos antes.

Correu em direcção à NY Public Library na esperança infantil de que, rodeado das referências que lhe traziam aquele espaço, o romantismo no seu estômago estaria a salvo.

Surge uma segunda mensagem.

- Deixa-me matar a bebedeira e talvez te ligue. You know... the greatest loves are great but they scare a lot! E sim, estás tu em NYC e a minha cabeça pensou muito. About me, about you, about us... Fuck. Odeito-te!

Seis anos depois de toda uma segunda vida eis que surge o momento. Seis anos de um silêncio insurdecedor que o tinham arrastado precisamente para aquela cidade, e ele nem queria acreditar no que estava a ler.
Lembrou-se do seu cheiro, do seu sabor. Lembrou-se numa fracção de segundos da esperança. Sentiu o medo da vertigem novamente mas fechou os olhos e decidiu saltar.
Agarrou no telefone e repondeu. Perguntou-lhe se queria vir ter ele.
Logo de seguida surge a resposta.

- Not ready yet... Been really bad. Last year was hard and I'm still mending things.
If some day I'll marry you, I wanna be fully ready. We marry, get a house, 4 kids, 2 dogs and 2 cats, and a refugee on mountains for the weekends :)


Chegou ao Hotel e dirigiu-se à recepção:
- Hi, could you book me a flight to Lisbon for today?
- Of course... But it's everything ok?
- Yes, don't worry. I'll be back as soon as I can. But please tell my friend that comes today, that I had to go to Lisbon but I'll call her to explain.
- Sure...
- Thanks.
"

in Posh Las Divinas Palabras
Ao Contrário


quarta-feira, abril 06, 2011

Na cama com Pavlov

Picture from HelloFromLisbon


"Vivo ainda fascinado com esta minha recente descoberta.

Naquela manhã inesperada acordo com o corpo dormente e o meu raciocínio absolutamente silenciado. A imagem daquela luz que rasgava a janela e nos obrigava a fazer daquele um novo dia, tinha de facto uma cor espectacular.

Lembro-me das cores na sua pele, do cheiro do seu cabelo na almofada. Era tudo tão absolutamente familiar.

Já no banho e ainda atordoado, de alguma forma não estava a perceber porque não se juntava a mim e desta vez até fazia alguma cerimónia na aproximação aquela divisão. Eu ali estava, no intitulado "chuveiro de transparência porno para ver tudo e não resistir" a tomar um banho que me arrancava aos poucos da noite anterior.


O dia passou e nem houve muita comunicação.

Chego a casa e nada mais se apoderava do meu pensamento senão uma incisiva anestesia local de seu nome I'll Try Everything Once para não ter que complicar muito.

Foi a forma eficaz que encontrei de simplificar aquela experiência, que me enchera o peito de ar e a barriga de insecto alados cujas cores carnavalescas induziam o meu organismo a electrificar o maior neon do meu silêncio - O AMOR!

Partilhei o telhado com Klimt e ouvi o que tinha para me dizer. Na complexidade de uma vida a dois, aquele companheiro já me conseguia ler o silêncio e faz o favor de me recordar Pavlov.
Pode ter sido isso mesmo. Passados anos e anos duas pessoas dormem juntas novamente. E o reflexo de todos os estímulos condensados durante essa noite provocam uma imagem acolhedora e familiar, aquele sabor, aquele imenso planeta de neons. E se calhar é só mesmo isso. O reflexo a um estímulo antigo porque somos animais e estamos expostos ao sufixo do "condicionado" também aí.

Pavlov descobriu que para além dos reflexos inatos, se podem desenvolver nos animais e nos seres humanos reflexos apreendidos a que chamou de reflexos condicionados.

Isto faz todo o sentido. Condicionados pela memória, também nós podemos reagir da mesma forma a um determinado estímulo que nos reporte de forma perfeita e exacta para o momento a que corresponde essa mesma experiência vivida, e desenvolver em nós um reflexo imediato que nos leva a repetir as sensações e emoções correspondentes à mesma.

Este senhor, se bem me recordo, foi muito representativo neste passo que deu na para que a psicologia experimental se direccionasse para o estudo comportamento humano e animal.

Como é que, passados tantos anos, ainda não temos um neon também no cérebro que se ilumine sempre que estivermos diante de um reflexo condicionado?

Há portanto uma relação directa entre o amor, e/ou aquilo que julgamos serem as suas formas de manifestação e, mais frágil ainda, as nossas formas de um identificar, e este grande senhor que nos mostra que às vezes, a electricidade que chega ao grande neon não é mais do que um reflexo condicionado da pessoa responsável pelo iluminar.

Continuo fascinado com isto tudo e pelo meio tenho a perfeita convicção que afinal poderei mesmo ter dormido com Pavlov."

in POSH, LAS DIVINAS PALAVRAS (AO CONTRÁRIO)

sexta-feira, março 25, 2011

PUBLISHED

Photo by ©Tiago Veiga

Enquanto esperava no aeroporto decidi ir ver livros.
Pensamos sempre que o que levamos na mão será suficiente mas ainda assim acabamos por não resistir aos mil estranhos expostos nas bancas que nos seduzem logo no primeiro travo de cada folha de papel.

Estava com um livro na mão, uma reedição da Graça Lobo ou pelo menos uma capa diferente com o mesmo título que tinha em casa e não consegui evitar a sorriso. Aquela força. Aquela forma encantadora de gritar.

Olhei para o relógio e ainda faltava o tempo suficiente para viver uma vida ali. Também coloquei a hipótese de imaginar viver as dos outros. O velho hábito de ficar sentado em silêncio só a observar a coreografia de um aeroporto.
Desta vez, ao pousar o livro, o surpreendido fui eu.

Por debaixo de uma edição manhosa de um autor inglês qualquer descubro o livro.
Não queria acreditar.
Agarrei-me a ele e rapidamente digitei no telefone o número que sempre soube de cor.
Chamou e chamou e nada!
Liguei para a Sarah...

- Estou? Não vais acreditar..
- Onde estás? Estás bem? Ninguém sabe de ti à meses... estás em Portugal?
- Sim estou bem mas isso não interessa nada, depois explico-te. Não vais acreditar..
- Mas espera... onde estás?
- No aeroporto, mas...
- Em que aeroporto?
- Ai, já te explico, mas ela publicou o livro!
- O quê? Não estou a perceber nada, quem?
- A Isabelle, achas normal?
- NãO! Como? Onde estás?
- Como pergunto-te eu! E agora?
- Ai.. calma... deixa-me pensar... onde estás? vou para aí...
- Não... e ela não me atende o telefone. E eu vou ficar sem telefone... ai.
- Mas já viste o livro?
- Estou com ele na mão. Queres melhor?
- Mas já leste? É muito óbvio?
- Ainda não li, vou comprar agora mas... lembras-te naquela fotografia?É a capa, e queres melhor?
- Aiii... NÃO!
- E a bold diz: baseado numa história verídica.
E o silêncio instalou-se.
- Sarah...? Estás aí?
- Desculpa... nem sei o que pensar. Quer dizer... faço as malas, não é?
- Calma... eu estou de volta.
- Paris?
- Lisboa.
- Mas não estavas em Paris?
- Depois explico... vai-me buscar ao aeroporto às 16h.
- Ok... mas... mas e vens sozinho?
- Sim. Depois conto-te. Serei só eu e ninguém sabe que chego hoje.
- Ok... e... desculpa.
- Não faz mal, eu percebo. Hoje já percebo... mas... depois falamos.
- Desculpa...
- Beijo, vou ter que desligar.
- Beijo.

Comprei o livro e não o abri até já estar em velocidade cruzeiro a caminho de Lisboa.
Havia toda uma vida para reviver naquelas folhas e uma vida para preparar depois daquele objecto.

Estranha forma de regressar - pensei. Mas de que outra forma poderia ser se não esta por inteiro?



domingo, fevereiro 27, 2011

I'll Try Anything Once

Picture from Hello From Lisbon

Cheguei a casa e senti uma corrente de ar diferente.
Aproximei-me do meu quarto e a janela estava aberta.
O sol rasgava as paredes brancas e todo aquele espaço poderia fazer parte de um cenário realista qualquer a la Coppola.

Chego à janela e subi ao telhado.
A Lisboa com aquela luz incrível e o calor da chegada da Primavera serviam de baloiço a Matthew que estava estaticamente sentado sobre a água-furtada.

"Posso?" Perguntei eu já no telhado.
"Sim." Respondeu ele sem abrir os olhos.

Deitei-me ali a seu lado e aguardei que ele me contasse no momento que achasse que conseguiria.

"Dormi lá. Mas não aconteceu nada. E não consigo deixar de sentir que aconteceu tudo.
Falámos da vida nestes últimos anos desde que voltei. Falámos de amor. Do nosso amor.
Durante o sono os nossos corpos tomaram o controlo das nossas vidas. Lutámos para que nada de concreto acontecesse. Acordei com os primeiros raios de sol com a força do sexo que gemia entre os nossos poros. Senti-me em casa. Como se os anos não tivessem passado e ainda vivesse-mos juntos. Ainda fossemos quem éramos Fingi que nem me passou pela cabeça tomar banho a dois. Fingi que tudo aquilo tinha sido apenas reflexo de uma possível carência afectiva projectada numa pessoa que estava ali. Fingimos que não nos queríamos beijar. Fingi que aquela tosta não me recordou o sabor dos pequenos-almoços dos outros tempos. Segurei-me ao ser adulto e não consigo pensar noutra coisa senão em nós."

Sentei-me e perguntei: "Queres falar sobre isso? Não tem mal se vocês forem efectivamente os..."

Olhou-me nos olhos agora abertos e sorriu. Num tom baixinho disse apenas:
"Não. Vamos voltar a fechar os olhos e continuar a sonhar acordados com tudo isto aqui, pode ser?"


"Sim." Respondi eu e deitei-me novamente a seu lado.



Muzicons.com

***
"when i said ' I can see me in your eyes', you said 'I can see you in my bed', that's not just friendship that's romance too, you like music we can dance to, Sit me down, Shut me up, i'll calm down, and i'll get along with you,"
***
The Strokes

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Sometimes


"Às segundas começo a semana cheio de força. Tudo parece pronto a aceitar as minhas alterações.
Às terças sinto a tua falta.
Às quartas sinto que estou a meio da semana e percebo que não vou conseguir cumprir tudo o que agendei mentalmente para tão poucas horas por dia.
Às quintas sinto a tua falta.
Às sextas acho que o mundo pode desabar mas eu quero é dançar.
Aos sábados gosto de aproveitar as maravilhas de, mais uma vez, viver no coração de uma cidade da Europa e poder saborear tudo o que isso tem de mais surpreendente.
Aos domingos sinto a tua falta.
"

in POSH, Las Divinas Palabras

domingo, fevereiro 20, 2011

"Eu quero que você venha comigo (...)"


Acordou e deixou-se ficar nos lençóis quentes a admirar aquele sol que entrava pela janela e compunha sombras e formas inigualáveis naquele quarto.
Em câmara lenta sente os cantos dos seus lábios a elevarem-se transbordando um sorriso especial em si.
Deixa-se ficar... No silêncio daquela revisão da noite anterior.

Tenho saudades disto - disse ele ao olhar para um quadro no Braço de Prata.
Sorrindo entre o barulho de quem espera por uma bebida no bar ela sorri e busca-o com o olhar.
- Hum hum,.. Também eu. Disto.
Sorriu de volta e sente o calor que só ela se consegue transmitir. O entendimento perfeito e a telepatia intacta de um amor incondicional.
- Tenho mesmo... - De arte. - Sim. - Mas não é das outras coisas. É da arte. - Sim.

A bebida chega e ele continua a contemplar aquele quadro que estava na parede como tantas outras coisas. Não que o quadro fosse genial mas tinha sido o suficiente para o reportar à vida que teve e lhe faz falta.
Deixou-se ficar ali em silêncio com ela enquanto os restantes amigos aguardavam as suas bebidas e falavam de outras coisas.
- Sabes, ainda no outro dia disse uma daquelas coisas que te sai tão naturalmente que te obriga a confrontar a veracidade da espontaneidade em si. Do nada, ou num momento como este em que me lembro daquela época, olhei à volta e disse à Marta que sentia que no último ano me sentia mais bruto. De alguma forma aquilo ali "embruteceu-me". Ela, num segundo compreensivo passou para outro em que naturalmente, por suspeita e perspicácia, me questionou o porquê na certeza de acertar naquilo em que eu pensava.
Desviei o assunto porque não queria que ela me interpretasse de forma errada como incluída num bolo em que não a incluiu. Mas a verdade é que existe um facto com que acordei naquele dia. Precisava de me "afastar" mais um pouco de todo aquele universo e retomar o meu.
- Pois eu percebo-te. Mas talvez seja também porque agora tens menos tempo.
- A falta de tempo nunca foi desculpa naquele tempo, por isso não deveria ser agora.


Levantou-se e dirigiu-se à janela para ver o dia.
Estava ali a sentir o sol na cara quando o vizinho do prédio em frente liga a aparelhagem.
Caetano Veloso e Chico Buarque cantavam "Você não entende nada"
Tãoooo bom. Melhor era impossível. Acordar com a memória daquela conversa e sentir a confirmação da vida em si mesma com aquela música que era uma de muitas que serviam de banda sonora aqueles tempos.
Tãooo bom. Ficou ali, deixou-se ficar a aguardar a parte que sabia que adorava em que entre "Todo dia" do Caetano passamos para "Todo o dia ela faz tudo sempre igual" do Chico.
Tãooo bommm.

Viajou na vida e pela vida e o tempo perdeu qualquer valor no espaço ali.