quarta-feira, agosto 23, 2006
Tango ao Sol
Movimento contínuo…
Um tango ardente sobre aquele chão assistia ao melhor dos alibis sob o mais perfeito dos crimes.
O vinho escondido sob a pele adormecia a sua carne envolta em veludos escuros mas brilhantes.
Mathew sabia bem que se aproximava a hora.
Sintia-o lá longe, ainda, mas ao mesmo tempo mais perto do que nunca.
Embriagado aceita a boleia que o levaria num refúgio de si mesmo.
Aquela villa onde o sol tudo aclara e a o frio tudo descobre esperava-o de braços abertos.
Durante a viagem decidira não pensar.
Reagir apenas à terra, ao céu, às árvores que tão bucólicas ali sempre lhe pareceram.
Sempre sentiu a perfeição da vida ali. A calma e a plenitude da beleza em cada promenor talhado a cal ou a simplesmente argila.
Era a terra, era aquela gente… eram aquelas formas de vida.
Tudo ali o abraçava e o simplificava desde criança.
Em cada esquina recolhia uma memória. Sua ou de alguém que lhe fosse próximo.
Sobretudo sua, ou de sua mãe que ali tanto viveu.
Entrou em casa e disse…
- Parece-me tudo na mesma, ou quase tudo.
- Não digas isso… olha os sofás.
- São bonitos, de facto…parece-me bem. E mais coisas?
- Vai vendo, acho q até o teu quarto terá qualquer coisa de novo.
Tinha, talvez, não deu conta… Na verdade, existia alguma coisa naquela casa que sempre o perturbou. Parecia-lhe sempre “arrancada a ferros”…mas começava a senti-la simpática até mesmo para si que se reconhecia exigente e, naqueles casos, até mesmo conservador.
Deu meia volta e revisitou o palacete onde sempre passara o Verão.
Aquelas paredes, aquele cheiro…tudo estava tão ténue mas ainda tão presente.
Sorriu ao recordar mil parvoices e fantasias de infância e rápido se apercebeu que teria de seguir em frente. Os reis e as rainhas já não existiam. Os palácios já não tinham guardas. As joias já não estavam ao alcance na salinha do costume. O violino já não era tocado e as histórias já não eram contadas às escondidas na cozinha rodeado de maternais senhoras sempre disponíveis.
Decide sair e não esquecer nada.
Percebeu que a vida seguia sempre numa direcção pontiaguda e que ali, aos círculos, nada de novo aconteceria.
Apesar de tudo, Mathew, sempre teve os seus momentos de lucidez.
Mas rapidamente a villa assistiria a mais uma das suas irreverentes visitas.
Mathew meteu a chave à porta, entrou, vasculhou por um rádio e ampliou a sua música a todos.
Estende-se até à rua principal e dá início à vertigem dos seus pensamentos.
Dançava como um feliz crente em época de ritual.
O seu movimento desenhava, nas ruas, a presença de um par invisível.
Para ele, mais visível que nunca.
A Vida em si sorria-lhe e sabia-lhe verdadeiramente bem.
Começava-lhe a tomar o gosto e queria brinda-lo entre todas as raízes.
O tango que desenhava, mesmo que a solo, fazia-o crer em si mesmo e em todos os olhares que o assitiam.
Decidira não morrer apenas.
Decidira que a morte é um movimento continuo que , neste seu tango, não encerrava nada.
Ergueu o rosto ao sino da igreja e, no reflexo de toda a cal, perlongou o gesto como decidira perlongar a sua vida.
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