segunda-feira, outubro 16, 2006

Sopro em Reflexo


O Inverno tinha chegado com tudo.
Aquela luz de final de tarde, aquele som da chuva a cair…aquele âmago na calçada.
Tudo. Era a inspiração e a felicidade de um Inverno em regresso.

Duas poltronas e um espelho ao fundo da sala.
O espaço, pombalino, cujo alto pé-direito fazia sentir o eco de outras paisagens, estava absolutamente vazio. Somente duas poltronas de veludo e um espelho longo entre elas.

Rouge decide então aceitar o convite.
Entra e senta-se, silenciosamente, numa das poltronas.
Em frente, o seu reflexo, com aqueles olhos e sorriso claros fazem-no sentir-se acompanhado naquele estado de felicidade em que se encontrava.
Estavam ambos felizes, e o Inverno chegou.


- Bleu:
Eu sou o gémeo doce

- Rouge:
… e isso faz de mim o quê?

- Bleu:
O gémeo en vogue

- Rouge:
Porquê " en vogue"??

- Bleu
Porque parece que Deus, o próprio, te escolheu para personificar o estilo, e aí andas tu a desfilar e a deixar rastos de glamour.
Spreading some blink blink…
Sparkling

- Rouge (sorrindo):
Como?...agora eu sou "glamouroso" é isso??...espera que essa é nova!
Va caríssimo, és demasiado inteligente para achar realmente só isso!

- Bleu:
Acho que tens uma casca de glamour a cobrir um interior riquíssimo! deep deep deep

- Rouge:
Foda-se!


E por breves instantes o silêncio congelou aquele olhar. Rouge nunca prevera aquele momento.
Aquele reflexo, no espelho, era acutilantemente real.
Respirou fundo e decide então enfrentar todo aquele momento de frente.
Reposicionou-se na poltrona e, verdadeiramente confortável, retoma no olhar de Blue.

- Rouge:
... pois, e o que devo fazer então com esse interior?
Aproveito então agora, que "me vejo ao espelho" e aguardo uma luz…
Sou todo ouvidos!
- Bleu:
Deves…guarda-lo secretamente.
E a menos que to seja pedido para o revelar, sorrir apenas como se estivesses feliz só por estar ali (onde quer que seja).
Não tenhas medo de passar por tolinho, um tolinho simpatico e doce.

Eu escondo o meu interior secretamente, aposto no factor surpresa.
E como isco age como uma verdadeira puta ? um sex god…
Depois de pescada a atenção do objecto desejado abres os portoes dessa luz imensa e deixa-lo K.O.

- Rouge:
Tu és incrível... assustadoramente "reflexo", mas incrível!

Mas Bleu, se me permites o uso de ti...
Não é o desejo desenfreado que quero para mim. Não é a saliva entre os lábios que cresce quando passo que tenho como objectivo.
Tudo isso tb gosto, e muito. Mas prefiro tê-los como adornos indispensáveis, não como fins a atingir.

O que quero pra mim é bem mais simples.
É o poder "abrir os portões dessa luz imensa" sem que isso seja um prémio para nenhuma presa…mas sim uma consequência de uma reacção espontânea e felíz entre mim e seja lá quem for.


E o silêncio regressou aquela sala.
Pensativo e, talves apreensivo, o reflexo retoma firme…

- Bleu:
hum…
Queres demais.

- Rouge:
Já não me contentam os abutres nem os bajuladores, nem os apenas giros ou desejados. Os prémios ou os oscares.
Esses existem hoje como meras manobras de diversão da minha maldade na dança do "saber viver". No gozo do meu animal apenas.
Na verdade, quero é gente!…mas gente mesmo, não apenas clones ou robots.
Achas que é demais?

- Bleu:
Acho que é dificil, e quanto mais ambicioso fores maior é a probabilidade de nao seres feliz.

- Rouge:
E eu que me achava tremendamente simples nos meus desejos. E eu que achava que queria tão pouco. Apenas aprender com tudo e todos os que me rodeam esperando apenas a verdade das coisas.
Irónico, no mínimo.
Acho que podia esperar ouvir isso de qq pessoa, menos de ti.
Tu que eras, de alguma forma, a esperança no poder acreditar. Tu que,nos olhos, carregas esse imenso mundo onde sempre pensei que vivias a acreditar.

- Bleu:
E acredito… Acredito que vou ser feliz.

- Rouge:
e serás, não duvides.


Eram os ritmos daqueles sangues, os gestos daquelas figuras… o respirar daquelas formas de estar, o grito e o gemido de serem conscientes do estado felíz.
Rouge, sentido o desfecho daquele caminho, ergue a cabeça, e concentrado no outro olhar bem claro ainda diz…

- Rouge:
E posso-te perguntar o que te fará felíz?
Pergunta difícil, eu sei.



Bleu abandona a sala em silêncio encondendo a cara por detrás daquele espelho entre eles.
No fundo Rouge também poderia ser certeiro no seu olhar, e ele sabia-o tão bem como o contrário, o reflexo, de tudo em todos, de tudo nos dois.
Ao abandono ficou então aquela sala e aquele veludo. Ao abandono ficou a noite.
Seria inevitável, ambos sabiam.
Um dia… talvez um dia.

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