domingo, maio 14, 2006

Lua Cheia


“Recriamos a morte em nós mesmo ao som de todos os cheiros dançados pelo reflexo destas noites de Lua Cheia.”
Hoje sentiu-se assim o efeito da Lua naqueles ossos.

Era doce o sabor que trazia na língua mas amargo o sentimento que lhe adormecia o sangue nas horas deste dia.
Combinações astrológicas perfeitas reinavam no seu imaginário, e o sonho que tivera permanecia ainda acordado.
Há sonhos que demoram tanto tempo e dos quais não queremos acordar. Não por serem perfeitos, mas por neles reinar uma fantasia confusa que precisa de tempo para ser digerida.
Entre os vivos e aqueles que, na verdade, nunca sentiram a vida em si, vários corpos vagueavam na cidade durante o seu sono.
Os tons escuros e terra abraçavam as roupas daqueles que, como um carrocel, giravam que nem loucos em seu redor. Era a loucura da noite sobre a sua cabeça. Isis dançava com os seus cabelos sobre a almofada.

Hoje saíra de casa enfurecido como alcool no seu sangue. Fervelhava-lhe a memória dos últimos tempos passados sobre a calçada. O sapateado ofegante das últimas danças.
Estava cansado e na loucura procurava o teu rosto.
A noite estava calma, amena…e as conversas em seu redor eram-lhe familiares. Sentia-se em casa mas sentia na carne a vontade de te visitar em tom de surpresa.

A “barca da fantasia” adormecia-o naquela mesa giratória em que ninguém partilhava da sua vontade. Entre um cigarro e outro dançava um tango sinuoso com as formas que o fumo assumia. O tempo estava bom e favorica a dança. Estava uma “quase” noite de Verão.

No seu corpo latejavam os arrepios da dor de alguma coisa que nunca soubera dar nome.
Gritavam, no seu sangue, ecos de prazer que chamavam pelo cheiro a canela desses cabelos.
Sentia o ardor nos olhos daquelas memórias que mergulhavam, em silêncio, no interior dos seus ossos.

Quem és tu?Quem é ele? Quem são vocês, criaturas da noite, um para o outro senão o a permanente fantasia das luzes desta cidade?

Levantou-se repentinamente, pagou a conta, despediu-se dos amigos e decidido a tomar um rumo, dirigiu-se ao carro.
Entrou, escolheu a música a rigor e acendeu mais um cigarro.
Fez-se à estrada e deixou que o vento o despenteasse para aliviar a mente.
Entre as luzes saltava como uma criança que salta na passadeira tentando apenas pisar as listas brancas. Em cada candeeiro seleccionava um destino da sua morte ou do seu adormecer.
Levava-te na mente quando entrou no carro, é um facto. Mas depressa te trocara por mil caras que, como variantes de cor, ocupavam o teu lugar.
Era a loucura daquele sangue contaminado. Era o virus no seu pior estado, no de âmago em frames luminosos em contraste com as luzes da cidade.
Era a música, o fumo, o vento e os ossos a gritarem baixinho no seu ouvido num danificar prepositado das memórias.

De StªApolónia ao Cais-do-Sodré e do Cais ao Príncipe Real tudo for a vivido em mil segundos nunca antes tão bem aproveitados.
Caiu a decisão… Sonolento, cansado, apático e em estado de overdose de si mesmo decide onde adormecer.
A Lua exalta nele o melhor e o pior de cada estado em si e hoje acabou por se render ao silêncio do aconchego de si próprio.
O estar só em noite de Lua Cheia nunca lhe soara tão bem.

“Dou-me com toda a gente, mas não me dou a ninguém. Frágil, esta noite estou tão frágil.”
Um último cigarro, a chave na porta e o seu corpo, cansado, estendido sobre a cama.

1 comentário:

AnaT disse...

Flor de canela que sai da minha boca, pétalas e espuma na língua em chamas que varre o vastíssimo mar da tua beleza. Escrevo na linha do teu perfume...e crescem-me orquídeas em provocação pelo corpo na neblusidade da noite...Visto as minhas asas de sonho...de pluma leve mas tao sombria...preparo-me assim festiva e com um sorriso de morte.
Soltas as garras pelo desejo do incêndio ao avistar os outros corpos pela tua grande janela...outros animais,..cobertos de plumas de ferro, completamente presos à terra. No teu palácio sacodes os cabelos e giras em torno do perfume feito de orvalho de ouro...envenenas o corpo assim subitamente pressentindo a lua.
Gritamos sexo e escorrem rios de sangue pelas ruas a assassinar os teus sapatos...Brindamos à alegria nómada de viver na bebedeira dos dias de champagne. Estás no outro lado da cidade pronto para possuir a selva ofuscante dos astros. Explodimos em metamorfose...penso em ti...e sinto o teu perfume...é contagiante. Sobre o meu corpo o timido gesto da mentira dos teus lábios a anunciar múltiplos fogos, uma floresta arruinada e noites sem lua.
Caminho em direcção da cidade convulsa com um rasto de destruição atras de mim...Preciso do sonho e do pesadelo...O teu perfume, para assim te descobrir na sombra terreste.
A esta hora estás tão longe. Dentro do corpo de outra mulher ou no sufoco de beijos de outra boca qualquer. É o tempo...mascarado no fetiche do sagitário sanguinário tatuado na tua asa branca. A imagem daquele espelho faz-me pensar que pernoitas no fundo de mim com os gestos exactos da malícia de quem sabe desarrumar o mundo e matar por vaidade.
Fica-te tão bem o vermelho...O sangue...A mulher.