segunda-feira, julho 17, 2006

Insónias


"E quando pensamos na falta que o tacto nos faz.

Será estranha esta forma de não dormir porque o corpo tem vontades que contrariam todas as certezas.
Deste lado de toda a massa de terra, bem longe desses momentos de descanso, este meu corpo insiste em estar atento.

Depois de horas vagas de sonanbolismo cedo à escrita de todo o que me assalta nestes lençois.
É o desgaste de tantos quartos de hotel. É o cansaço de tantas luzes e brilhos desta cidade.
É tudo em tão pouco tempo para te me escrever.

Coloco a música que me acalma… e nela rebenta uma pirâmide de almas em combustão.
O gozo dos corpos, aquecidos em vinho, que derramam sangue e pó em meu redor já não me cria a ilusão feliz de outros tempos.

A poltrona de veludo já não será a minha morada.
Cansei-me de tudo e de tão pouco poder fazer porque o dia, continua a ter escassas 24horas.

Os corpos que observo ganharam vida e, na distância, anúnciam o fim deste palco.
Os virus e delírios por todos, com todos, entre todos contaminados soam-me as histórias de um albúm a revisitar mais tarde.
As mortes e as vidas registam o silêncio de todas as razões.

Achas que sabes quem sou. Não te enganes.
Achas que sabes quem és. Não te enganes.

Hoje dava tudo para estar em qualquer lugar.
Hoje daria tudo para ser o que não sou.
Amanhã acordo, tarde porque o agora o sol já se levanta, e tudo isto mudará com o som, os cheiros e vontades de um dia com sem sono.

E eu só queria dormir…
Mesmo que o sono me trouxesse a bizarria dos sonhos da noite anterior.
Estavam lá todas as almas penadas que, sobre a areia molhada, sorriam de costas para o mundo.

Onde a tal viagem me trouxe. Onde o tal risco amarelo acaba mostrando o fim de todas as coisas.
E aquele casal de velhos?…terá vida ainda debaixo da tua janela?
Para mim, de alguma forma, sempre se tocaram um ao outro. E a falta que o tacto nos faz.

Trago uma imagem de criança hoje no tecto.
Algures entre soldados de chumbo, bonecas de trapo, trapézio e baus no sotão qualquer em que os raios de sol entram aos quadrados.
O silêncio perfeito para os cegos que julgam ver. A festa perfeita quando sucumbo a mim e me lembro que sempre consegui ver, ouvir, embora me cobrisse de um mundo certo.

Entro em delírio e sei que aqui, agora, nada conseguirei acrescentar no tudo que nunca disse mas rebenta em mim em cada anoitecer.

Vou fechar os olhos e abrir o olhar para perceber onde, de pernas para o ar, me encontro naquele sotão que espero não ser só meu.
Os soldados de chumbo começam a sorrir. A boneca de trapos começa a dançar. O pinóquio dá início ao gesto. E oiço lá do fundo, por um boneco mais velho, uma notícia confortante: Tu também, no silêncio dos outros, os visitas aqui.

Flutuo… Adormeço. "

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