sábado, julho 15, 2006
Silence II
“Assisto sereno ao fim de tudo.
Assisto ameno ao que me desperta a atenção.
Sinto que quando aqui me sento o tempo pára em mim. Este sol, este luar…este tempo.
Tudo morre em silêncio nos dias a que assisto… todas as lápides se erguem lentamento sobre o meu olhar sereno e, contemplando o fenómeno, sinto a vida perfeita em mim.
Se em momentos sinto que tudo segue a sua ordem, noutros sinto que deveria saltar sobre a ordem e agarrar com força todos os corpos que, ao poucos, abandonam este palco.
Hoje li algures que “A morte vive escondida nos relógios”… até faz sentido.
Parem os relógios e, em suspenso arranquem os pulmões que ensaguentados revelam o pior deste momento em mim. Não se ouvirão gritos nem gemidos que esses já morreram também. Não se sentirão dores nem cheiros salgados… Existirá apenas pó. Pó do silêncio de quem adormeceu o corpo no cansaço de todo o espectáculo itenerante em vós.
Morre-se tanto para dar vida a tanto maior.
Irónico pensar que a vida, por vezes, nos engana sobre nós mesmos.
Irónico sentir que a nossa roupa foi usada por tantos corpos que de nossa já não tem nada.
Morre-se tanto deixando tanto por dizer.
Sinto o restos de mim por baixo desse chão onde, calmamente, foram erguidas as poltronas onde se sentam como um público de elite.
Estou entre as tábuas de madeira e a carpete vermelha que agora pisam sem cuidado.
E morre-se por vezes ainda tão estúpido sem nada perceber.
Sinto o copo vazio mas não me altera a forma de ver.
Tenho todo o tempo agora para esperar pelo empregado com a garrafa que irá trazer de volta a forma certa a este copo.
Sobre o vosso olhar atento percebo, na pausa da minha deixa, que me deixaram no palco vazio.
Resta-me o corpo, a memória…e a força sobre o vosso olhar atento na primeira fila.
Nunca pensei que a surpresa reservada seria a vosso abandono do palco para a metamorfose de um público em silêncio que me deixa em monólogo suspenso no ar.
Sorrio. E no silêncio desta pausa marcada respiro fundo fixando o olhar em vós.
Existem momentos fortes…existem palavras secas de sangue entre o chão e o ar.
Decido dizer tudo sem ser de uma só vez…
Decido pelo silêncio que vos deixará em suspenso igual ao meu.
De olhos semi-serrados escrevo cartas e histórias que, com o sabor dos meus lábios, serão lacradas a sangue e entregues em mão. Entregues em mão ou queimadas ao vento dependendo de cada um de vós.
Existem cadáveres em todos nós.
E morre-se tanto com tanto por dizer.
Consegues ouvir?
É a morte…
É a vida… que em nós rebenta em cada destino de um relógio qualquer.”
fotografia de Andrea Bitesnich
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