quarta-feira, junho 07, 2006

Black Melt

Enrolada numa rede ofegante arrastava o passo pela calçada que parecia ferver.
Parou e entrou numa loja. Não comprou nada mas os rostos dos tristes fizeram-na sentir-se desrespeitosa naquela agonia.

Sorrio para si mesma e, com um olhar sereno, colocou o aparelho minúsculo ao dispor dos seus ouvidos. As músicas sempre lhe alteravam o batimento cardíaco… e era mesmo disso que estava à espera. De uma mudança de batimentos, de uma mudança de ritmo…de uma forte ventania que a tirasse do marasmo daquele calor.

Dia 666. Dia 6 do 6 do 6…ou seja, dia 6 de Junho de 2006.
Terá algum significado, se bem que duvidou, à partida, que fosse algum dos populares.

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You're not my eater
I'm not your food
Love you for God
Love you for the Mother

Eat me
In the space
Within my heart
Love you for God
Love you for the Mother

Mother fountain
Or live or not at all

The most level
Sunken chapel
Love you for God
Love you for the Mother

All's there to love
Only love


MASSIVE ATTACK

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E tanto que lhe apetecia dizer e tanto que lhe apetecia mudar.
Ao som da música percorria mais do que a cidade rumo ao rio. Percorria o seu corpo e a égide dos seus pensamentos mais profundos.
Dançante e felina movia os ossos pela carne para que ninguém desse conta da sua dança de demente gloriosa.
Aquele corpo sabia-lhe bem.

Sentia-se a derreter por si e nos outros… sentia que o calor em si não permitia a mais ninguém o estado sólido dos seus corpos.
Agarrou nas pontas mais finas das suas próprias pestanas e, à boca da entrada do metro, ergueu-as à superfície.

Era um quase azul, um quase cinzento…era um quase branco era um quase preto. Era um quase céu que, naquele dia, traduzia o calor numa data especial.
Era o quase derreter de si mesma sobre aquele chão negro de tantos defeitos cenográficos.

“Respira fundo…!” – ouviu alguém dizer a outro alguém que passava com um ar aflito.
(Silêncio perfeito, até na música que não comandava)

E tudo fez um incrível sentido nos seus pulmões naquele seu corpo já velho e gasto pelo timbres alheios.
No fundo o que sentia para além daquele calor que o céu abatia sobre os corpos…era apenas a agitação da bomba-relógio que trazia, nas mãos, e a sua, cada vez mais, vertigenosa contagem decrescente.

Olhou para as mãos e viu nelas ainda restígios do pó de gesso que usara para esculpir toda a manhã. O dia estava a mostrar o ser fim. A vida, naquele dia, estava a mostrar-lhe a mudança.
Mais uma vez sorriu e pousou as pestanas, agora sem esforço.
Desce o primeiro degrau da longa escadaria que a conduz até ao centro do mundo e, feliz, desfile entre os corpos até casa… sempre,sempre ao compasso daquela música.

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