segunda-feira, setembro 11, 2006

Après le Séisme

Sentado aqui sinto uns parênteses ainda abertos. O verbo rebenta-me a boca e não me poderei ausentar novamente sem dize-lo.
Preciso de te contar.

"Sentado na calçada, entre estradas onde os carros passavam a velocidades estonteantes, Matthew semi-serrava os olhos e deixava-se guiar pelo arrastamento das luzes que por ali voavam.

- Por alguma razão, muito forte, eu sinto que algo se passa com o ar que respiro.

Ainda ontém o telefone tocava e a surpresa rasgava toda a carne.
Há muito tempo que não lhe ouvia a voz.
Ouvi-lo foi em tempos um luxo que transformou em apenas surpresa.
Umas surpresa sempre agradável, é um facto…mas ao mesmo tempo sempre intensa.

Matthew tinha decidido partir quando estiveram juntos pela última vez.
Como lhe ordenavam os sentidos, decidiu dizer o que agonizava em si há demasiado tempo, sobre tudo o que os rodeava.
Um dia, sob o efeito de um mal qualquer que a noite lhe trazia, decidiu verter as gotas de sangue que restavam sobre as palavras, que lacrou como últimas, ao seu irmão.

Encontraram-se e, como dois animais feridos a nu, enfrentaram nos olhos todos os verbos que, como cadáveres, assombravam a sua existência.
Os sismos que abalavam aqueles corpos deixaram um vazio de sombras, finalmente, para sempre.
Lembra-se de ter ouvido e dito das coisas mais verdadeiras e mais crueis que alguma vez disse.
Era a morte perante si, era a um corpo rasgado a recusar, num último fôlego, a presença de qualquer olhar sobre a sua morte.

Passaram-se horas, dias, meses… e Matthew, que partira logo após aquele encontro, levava consigo na mala sempre a mesma certeza. A de que um dia, chegaria o Verão e a vida tomaria forma sobre aquele corpo reflectido em si.

O Verão passou e o telefone toca.
- Tenho saudades tuas, quero-te ver.

E o vento de norte nunca o enganou. Ele voltara, tal como sempre soube, e com as feridas lambidas erguia o gesto para partilhar consigo uma nova vida.
O reflectir do seu espelho não reflectia a sombra de outros tempos, e a felicidade de todos os movimentos perpetuava uma certeza felíz.

- Podemos morrer ao som dos mesmos tangos. Adoecer sobre as formas mais secas de um qualquer deserto. Mas não fomos feitos para viver sem sentir a presença um do outro.
Seja sangue, osso ou carne… Ar, terra ou simples vinho aquecido. A morte em nós é um presságio de outros tempos que nasce impossível hoje mesmo.


Dizia Matthew em silêncio na dança de prazer que acompanhava o olhar daquele com quem partilhava, como ninguém, o mesmo sangue."


Podem ainda existir feridas em aberto, nuvens por afastar… Mas isso agora já não interessa de muito. Existem lugares que nunca mudam, pessoas que nunca morrem e vidas que nunca se separam, porque a vida assim faz muito mais sentido e será sempre perfeita em nós.

1 comentário:

O melhor post de chocolate do mundo! disse...

Existe o "Para Sempre". Dele, sabe-se de cor as formas e as cores e os cheiros e, normalmente, a música que o acompanha.

Isso basta para acreditar que vale a pena.

[Gosto das tuas crenças. Gosto delas em ti. Fazem-te mais feliz. Fazem-me menos perdida.]