segunda-feira, abril 10, 2006

Tango



“Acho que foram as cinzas dos cadáveres em mim. As cinzas dos corpos que queimei que me exfixiaram a pele.
A morte em mim para que eu sinta a vida.
A vida a mostrar-me o meu próprio filme.
O ver-me na plateia e,mesmo cheio de orgulho pela vida que tive, ainda a sentir frio.
São os ares da mudança...é a vida a correr-me nas veias como gosto de a sentir.
Com dor, com cor, com cheiro…com barulho, com silêncio, com tudo e com nada.
De qualquer forma lutarei. Cansei-me de não concluir ou edificar o que espero de mim. Agora voltarei aos velhos tempos, aos tempos a sós comigo num tango em que o outro corpo apenas terá vida se em tons de sangue.” – respondera com toda à firmeza aquando da pergunta “Porque estás assim?”.

Na noite anterior estava só.
Depois de uma discussão estúpida lembrou-se dos velhos tempos. O seu corpo atraissoara-o como ninguém. Perdera o controlo e as mãos tremiam com a raiva das lembranças. Aqueles tons de voz usados batidos com as palavras mais envenenadas soavam-lhe a dor. Nos corredores do seu corpo podiam-se ouvir os ecos do passado. Tudo gemia, tudo gritava no murmúrio de todas a emoções contidas naquela discussão.
“Dormes cá hoje?”
“Sim, mas não sei, naturalmente, a que horas chego.”
“Até logo…”
E ficou só. Desta vez não tinha sido ele a sair porta for a. Desta vez ficou.
Ficou a aguardar que o fossem buscar. Afinal era sexta-feira e a noite era para ser vivida.
No silêncio a dor espalhou-se pelo seu corpo e deixou-se invadir.
O cansaço que sentira não era novo e o que viria a seguir também não.
Olhou para o relógio de mesa e sorriu. Não de felicidade mas de compaixão pelo seu próprio corpo. Mais uma vez iria retomar à sua forma aparente para seduzir a noite que o esperava.
Levantou-se e deu início ao ritual, ao som de uma música qualquer que usava para o tão habitual “processo pavão”. Pois que viesse a beleza de volta que tinha um público imenso à espera.
Em frente ao espelho, enquanto se maquilhava, perfumava, penteava e dava os últimos retoques em si voltou a sentir a força daquela solidão. Não a sabia explicar só sabia que não estava bem.
Agarrou-se com todas as forças a todas a técnicas de mágia que a futilidade lhe poderia dar e levantou-se de novo erguendo a cabeça frente ao espelho.
Era a dança de si mesmo. Era uma dança que nunca for a a solo por muito que o aparentasse.

Brilhante e vigoroso lá estava ele de pé pronto para a festa.
Desceu as escadas ainda tonto com a dor. Mas até aquilo o fazia sorrir. No fundo até aquele momento tinha o seu charme, e ter consciência disso era uma prazer que só ele guardava. Era um gozo tremendo o de se esconder de si mesmo e sanguar a mil vozes num total silêncio abafado por mil gargalhadas. Era a sua loucura feliz, era o seu tango de vida.

“Boa noite, vamos a isto?”
E com um sorriso rasgado olhou para trás e despediu-se de todos os males prometendo voltar.

2 comentários:

Héliocoptero disse...

Sempre gostei muito de ver um homem de rosa na boca dançar enquanto dá à perna com toda a genica, LOL!

Pronto, eu não disso isto :p

Força, Tiago! Mostra quem comanda a dança ;)

AnaT disse...

Penso, enquanto respiro o perfume das tuas orquídeas em provocação...à flor da pele...penso na tua pele frágile e nos teus lábios desenhados a sangue a espelir muitos fogos, os teus olhos vazios e preenchidos por uma dor incalculável..., penso no teu corpo magro e independente. És o bailarino perfeito.
Chegas assim à minha vida...bailas com os sentidos, rodopias com o desejo até às ultímas...moves-te como um felino...despes-te muito lentamente...cada tecido leva uma eternidade apaixonante. De que é feito esse trapo que te envolve as mãos? Deixa-me beijá-las...doçura.Matéria volátil...qualquer coisa feita de sonhos...
Esse corpo em extase morre rente ao medo...sofregamente junto aos meus lábios...é uma milonga inacabada...uma promessa do paraíso...a ilusão da vida...da nossa vida que tão estática se tornou...morreu naquele movimento belo e indescrítivel que nem se quer precisa de música...só o silêncio. As palavras ridicúlas de um sábado à noite.
Deixa-me enlear os meus braços nos teus....entrelaçar os nossos corpos num sufoco comum...nessa loucura de bocas e dentes em asfixia.
Deixa-me prolongar o teu gesto...projectar este tango pelos espaços que assassinamos...o crime perfeito. Movimento perpétuo. Expansão de vermelho sangue em brutal velocidade, a paixão a que nos condenámos...

A tua imagem...adquire um poder acrescido sobre a realidade da estaticidade...Para te encontrar é preciso ser em movimento...sem aviso. Uma destruição inerente em cada gesto, na minha morte suspensa...um braço, uma perna...os teus olhos...um acaso do destino enganado, uma surpresa em desalinho.

Sinto a saudade...Todo o mundo é um cenário estupido na nossa dança violenta arrastada em sangue e espuma. Visto à distancia a vida torna-nos unicos...se queremos outra coisa? Náo. Nós vivemos este pecado, um terror de prazer e até tortura, um gozo fascinante como se mais nada podesse acontecer às nossas vidas...um movimento perpétuo...continuo. Se paramos morremos. É este o castigo.