domingo, abril 02, 2006

Vinho a 3


Quebram-me os ossos assim.
Os gestos conduzem o vinho que, em espiral no copo de setim, se prepara para me atingir.
For a certeiro mas não fatal.
Os gestos confundem-se com os desenhados pelo nosso olhar, o som estala contra os nossos corpos e neles sente-se o rebentar dos nossos segredos.
Era um segredo do qual certamente já desconfiavas mas a loucura nunca te deixou acreditar.
Sim, aqueles gestos são o meu ponto fraco, sim aquele vinho amolece-me as veias e faz-me recordar os tempos que nada dependia de grandes decisões.

Soltaram-se os gemidos em silêncio e os perfumes misturaram-se na mais discreta e doce forma de dançar.

Acordamos, despertamos, e sentimos que temos que fugir daquilo para nos mantermos loucos e nunca serenos.

Sentimos o ardor das feridas que ambos a deixamos a descoberto um no outro…ao sentir a distãncia sentimo-nos seguros.
O que é que eu faço contigo?…provavelmente arrasto-te até à morte ou jogo um jogo ainda mais cruel. Quanto tempo levamos até, no descortinar de nós mesmos, puxarmos o gatilho e ouvir o estrondo sobre os teus ossos?
Mato-te, lentamente, ao som do prazer mais sofrido de todos.

Em que morte te sentirás melhor?…numa bem vermelha mas bem limpa. Numa bem salgada mas bem sucolenta… numa forte dramática qualquer.
Carrego o teu corpo até que, de tão embriagado, ele implore a sua morte.
Morte por asfixia de tanto conter o mundo nesses pulmões ou de um tiro certeiro nesse peito já cravado de lápides cinzentas.

Somos, de facto, animais dourados, porque o nosso brilho enche aquelas salas, aqueles palcos e os pulmões daqueles que por nós escorrem o olhar.
Somos dourados porque os nossos corpos são como montras de um talho cujos ganchos brilham forrados de diamantes.

Somos o tudo, somos o nada, como qualquer outro mortal que tenha na pele o sabor de morrer, mas sobretudo de ir morrendo sob a dor desta vaidade.

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