segunda-feira, dezembro 29, 2008

The Mad Tea Party at Alice´s Wonderland

27 de Dezembro de 2008
My Birthday Party BITCH!
frame photo by Eric Van Den Brulle

Um desaparecimento repentino; milhas de distância da cidade; um local secreto; um jardim nocturno misterioso; cartas espalhadas por uma casa em miniatura onde os cantos e recantos revelavam os detalhes mais bucólicos; velas; pratos mágicos e copos voadores; fantasias detalhadas e 50mil disparates; caminhadas às escuras no meio da selva onde o menor barulho fizeram 5 personagens correr; liberdade; surpresa; 25 anos; tudo!

Thank you all!!!
It was FABULOUS DARLINGS!!!!!

Love you

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Se dormirmos na neve, não sentimos a morte a chegar.



"Ouve...há momentos,em que a vida exige mudancas.Transições,como as estações.A nossa primavera foi maravilhosa. Mas, agora o Verão acabou. Perdemos o nosso Outono e de repente está tao frio que tudo começa a congelar. O nosso amor hibernou e a neve surpreendeu-nos. Se dormirmos na neve, nao sentimos a morte chegar. Cuida-te."

Faubourg Saint-Denis by Tom Tykwer
in Paris Je t'aime

domingo, dezembro 21, 2008

YULE // Solstício de Inverno

E hoje acordei assim... com um MMS de uma pessoal simplesmente genial que decidiu ver o sol nascer, fotografar, e partilha-lo comigo.

photo by Helio Pires

E é assim que reconheço a perfeição da vida em nós. A imensa pontaria que tem com os ponteiros do relógios, as rotações da terra, e os acontecimentos das nossas próprias vidas. A forma genial com que nos rebenta um sorriso pela ironia e constactação da perfeição em tudo, numa vida, em nós.

E para os que não sabem do que se trata aqui fica (fui vasculhar nos livros do tempo em que estudava religiões - quem diria):

YULE - Solstício de Inverno
21 de Dezembro
O dia mais curto do ano, a noite mais longa do ano.
Os tempos sombrios entre Samhain e Yule chegam ao fim quando os dias começam de novo a crescer. É um sabbat próprio para a reflexão sobre a forma como todas as coisas se inter-relacionam, para fundir as memórias e para celebrar o regresso da luz, que em breve irá de novo fertilizar e aquecer a terra. É o dia em que se festeja o Sol, o trovão e as deidades de fogo.

Thanks dear Helio ;)

When enough is enough... let it die far away, and try never forget any detail!


Um fato escuro discreto; uma garrafa de vinho vazia; um duplo homicídio; sangue nas teclas de um piano; uma máscara branca sobre os corpos; um segredo revelado; um bilhete de avião; um concerto surpresa; uma multidão coreografada; o pulsar de um coração reanimado; os cabelos contra o vento num carro sem tecto; o terreiro do paço e o tejo; o frio de uma joia escondida contra o peito, numa noite de inverno que celebra o solstício (Yule); o abandono de uma história; um perfume antigo; e uma frase que, nos lábios certos, redefinem toda uma vida.

Os ingredientes perfeitos de um crime, os detalhes necessários para uma história inacreditável mas real. O sabor perfeito de uma boa vida e o sorriso que nos traz a serenidade do fim.

Estava eu a sair quando ele me agarra no braço, e com a face descontrolada me pergunta:
- E nós?... quer dizer, vais-te embora assim sem te poder explicar?... É que eu acho que percebeste mal e ... e nós?...e eu?Vais mesmo embora?
- Chega! - e com um sorriso sereno de profunda imagem de liberdade e pena por aquela criatura - When enough is enough... let it die far away, and try never forget any detail! Tem uma boa vida, se algum dia o conseguires.

;)

sexta-feira, dezembro 19, 2008

All I wanna do…

E o dia fabuloso que esteve hoje??? Hum?hum? ninguém reparou?
Hoje acordei inspirado!

photo by MASSIVE
Depois de um dia em que as verdades mais crueis acabaram com o que restava de crença humana em mim, onde os filmes mais rebuscados e as músicas mais suspirantes reinavam de comparação, hoje acordei virado ao contrário.

E no verso reconheci uma identidade que tinha desaparecido à muito. Acordo com o despertador da minha “esposa” e voltei a adormecer. No sonho entremédio dei comigo de regresso, novamente, à terra de onde julguei ter sido um erro partir. Horas mais tarde desço as escadas e o imenso sol que se fazia reflectir em todos os poros da casa despertaram-me em breves segundos.

Lembrei-me de tudo, recuperei a memória, e nela fantasiei um grande baile de fim de verão com todas as personagens de que me despedia.

A vida sabe-me tão bem agora que o frio que me gela a cara me recorda de tudo.
Surgiu-me uma música rapidamente à cabeça. Não pela letra (e talvez também, porque todos queremos, em parte o mesmo) mas sobretudo pela batida inspiradora.

Liguei a aparelhagem e deixei que ela inundasse a casa!
A campainha toca e era o correio com uma encomenda… Os famosos e tão saborosos bolinhos de Natal com que o Hélio me brinda todos os anos.

Ai a vida é tão outra coisa, é tão mais isto.
O dia continuo extraordinário e hoje vou comemorar com a “sist” e abanar os ossos para que cara poro recupere o ar que em tempos perdeu.

All I wanna do is LIVE!!!
Tenham um excelente dia, tenham uma excelente noite, e sobretudo, tenham uma excelente vida!

Astounded - Bran Van 3000

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Time has come



"Time to stand up,
time to grow up,
time to let go,
...time."

Contar um sonho é proibido.

photo by Ed Viggiani

"Quem contar um sonho que sonhou, não conta tudo o que encontrou…"

A vida dá voltas… ah se dá.

Estou aqui sentado a aguardar em silêncio. Esta sala de conforto tornou-se quente. Já não me lembrava como era à algum tempo…
Olho em redor e reparo nas caras dos estranhos. Uns estão acompanhados, outros, como eu, aguardam sozinhos.
O Inverno lá fora arrasta nos vidros alguma nostalgia.

O meu telefone toca e oiço a Isabelle, com insónias, a beber o seu vinho à janela, e eu nem lhe digo onde estou.
“Estou na minha casa nova. Daqui vejo a torre Eiffel.
Agora sempre que acordar vou-me lembrar que é isto… o sonho.”
- diz ela com a voz arrastada.

A vida dá voltas… ah se dá.

A Laura chega amanhã de Africa do Sul depois de quase 20 anos sem voltar a pisar aquela terra;
A Mrs.Dalloway recolhe-se em casa mantendo o silêncio da sua vontade. Ou a serenidade de quem sabe aguardar pelo momento certo sem que os “dias de entretanto” lhe pareçam pesados;
O Jonh exilou-se em terras distantes onde cozinha a sua procura pelo amor. Desespera e sente-se perdido naquele imenso hotel onde às vezes teme ter perdido o rumo;
A Leonor recosta o corpo no seu já “velho companheiro” e alivia o medo da possibilidade de ter que abandonar Amesterdão;
O Robert, em Londres, prepara-se para mais uma noite de recompensa com o seu novo amante e esquecimento do seu elouquecido noivado;
Também em Londres, o meu querido Lord Henry prepara-se para o embarque desta época em que recebe os abraços de tantos amigos que por cá deixou;
A Sofia divorciou-se;
O Miguel perdeu-se e deixou-se anestesiar na vertigem do demente Mr.Butterfly;
O Mr.Butterfly , depois de se relevar um simples insecto com asas, arrepia-se nos seus lençois enquanto tenta perceber o que fez à própria vida;
O Blue sente saudades dos tempos em que a subtileza das palavras criavam histórias e enredos em seu redor na procura da beleza e degustação da vida tangível;
O Sisley tenta refazer a sua vida a acreditar no amor com este novo rumo a que se entregou;
A Mariana prepara-se para finalmente viver a adrenalina do maior salto que dará sobre si. A vida é tão irónica que até ao ser mais perfeito obriga a trair para que possa ser recompensado de alguma forma;
A Sara adormece sozinha tentando não prestar atenção ao já longo atraso do seu marido;
A Piaf persente que não tarda chegará a hora de partir;
A Joana continua convencida que tudo se irá resolver e que num estalar de dedos voltará a ser o que era;
A Lúcia tenta adormecer a febre de ter regressado ao campo;
A Rita sucumbe aos poucos na imensa solidão a que se condenou pelos seus actos;
A Andreia reune forças para acreditar que chegou a hora de ser felíz;
O Willy adormece-se em mais uma linha de coca na esperança que um dia alguém o leve;
O Le Petit Prince tenta saborear todo o amor que a sua imensa vida consegue gerar;
O Matthew adormece cheio de medo de nunca vir a ter coragem de resgatar a Isabelle;
A Isabelle tenta adormecer no cansaço de tanto pensar nas voltas que a vida dá;

E eu estou aqui, sentado, no aeroporto, também eu a pensar nas voltas que a vida dá… ah se dá.

"Quem contar um sonho que sonhou, não conta tudo o que encontrou.
Contar um sonho é proibido.
"

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Tonight

A ti, dear Isabelle...




Lykke Li // Tonight


"watch my back so i'll make sure
you're right behind me as before
yesterday the night before tomorrow"


quinta-feira, dezembro 04, 2008

Dangerous Liaisons

photo by Pete Turner

Dias depois da festa, Theo é convidado para um jantar em que a importância da sua presença trespassava a função publicitária do que iria ou deveria vestir.
Naquela manhã acordara com uma sensação estranha mas que desvalorizou dado o desconto que se habituou a dar à sua criatividade espontânea.
Foi fazer umas compras pela Av.da Liberdade e lanchar com uma velha amiga.
Algures entre a sua fatia de pecado de chocolate ela prepara-o.

- Sabes que nesse jantar vão lá estar pessoas que não queres ver, não sabes?
- Sei, mas já é tempo de gerir estas coisas. A Laura pediu-me por tudo para estar presente. Ela precisa do meu apoio para subir as vendas e para a apoiar durante o jantar.
- Sim, eu percebo… eu disse-lhe que não podia ir porque tenho um voo hoje às 22h para Barcelona.
- Sempre vais hoje? Tinha percebido que irias só amanhã.
- E ía… mas para nem estar por perto esta noite decidi antecipar a viagem.
- Eu percebo. Mas não te preocupes, eu vou comportar-me como um senhor e guardarei toda e qualquer informação que te venha a ser útil.
- Eu sei meu querido, nem espero menos de ti.


Anoiteceu e ele já aparece no jantar prontíssimo para cumprir a sua função.
Estavam lá o agradáveis e os desagradáveis corpos do costume. A noite correu como esperada e já quando se preparava para abandonar a tão transformada estação do Rossio, olhou em redor e pensou num tom irónico: “Sobrevivi a isto, já nada me mata.”

Entra no carro e indica a próxima paragem.
A caminho de casa apercebe-se que afinal ainda lhe apetecia dançar. Muda a rota e liga à Leonor (a sempre em festa Leonor).
- Onde estão?
- A caminho do “Inferno”, vens ter conosco?
- Sim, apatece-me dançar e libertar as más energias de um jantar onde estive até agora.
- Foste ao jantar da Laura? Ela também me ligou mas eu nem lhe menti. Disse-lhe logo que me pedisse tudo menos isso. Mas vem cá ter, nós já estamos mesmo a entrar.


Ao inverter o sentido do seu rumo percebe que há um acidente na marginal.
- Se calhar vamos por dentro Manuel. Coitados… não consigo assistir a nada disto hoje.
- Sim, vamos por Alcântara.

Ao passar pela inevitável rua não consegue evitar olhar para a porta que revela o carro de outros tempos, como sempre, mal estacionado.
O seu corpo sente um estranho frio e o sorriso acaba por ser substituido por uma expressão nova.
Manuel, sempre atento pelo retrovisor, abranda prepositadamente a velocidade. Estavam quase parados naquela marcha subitamente lenta em frente à porta.
Theo nem tentou impedir. Pois as sombras que via descer pelas escadas já teriam sido antecipadas por aquele velho companheiro.

Dois vultos tomaram forma mas a pior de todas. Sim, era o corpo antigo com um outro que Theo nem queria acreditar.
O estranho e misterioso corpo que desaparecera da sua vida à mais de um mês estava ali mesmo à sua frente.

O carro fica imóvel. Os vidros fechados mesmo assim não conseguiam isolar o grito na face de Theo. Estavam ali os dois, juntos… os dois.
Como é que era possível que, em momentos menos sóbrios, ele tenha previsto aquela cena e rapidamente a recalcara pelo medo de ser injusto. Era a nova hipótese que explicava o desaprecimento e a total evasão. A pior de todas e a, ali mesmo à sua frente, a mais real.

O passado e o presente juntos na maior cumplicidade como se de dois ladrões de vida se tratassem. A cobardia e a mentira, a traição e febre nojenta da ambição tinham-se apoderado do momento e inundado aquelas duas faces que não acreditava ver através do vidro. A morte. O silêncio. A fuga.

- Manuel, vamos embora por favor.

O carro arranca a uma velocidade indiscreta e os vultos olham.
Não soube se for a visto, nem quer saber.
Abandonou o local do crime, ligou à Leonor para cancelar a noite e regressou ao Petit Trianon.
Quanto terá valido aquela traição? É a questão que carrega para o momento em que, entre as muralhas da cidade, vir confirmada e verbalizada a cena a que assitira.

La vie en ROUGE II

Era ele, Matthew. A olhar para mim, nas escadas do Hotel, com toda a certeza de quem me esperava por aquele momento.
photo by Ed Freeman

Desço os degraus pisando o chão de uma forma firme depois do compasso em que respirei fundo ao topo.
Aproximo-mo dele e pergunto:

- Estavas à minha espera caro Matthew?
- Não sejas hipócrita, sabes bem que não estaria em frente ao Lapa Palace se não estivesse à tua espera… ou à dela.
- Se estavas à espera dos dois já vens tarde, ela partiu cedo. Talvez devesses ter vindo à festa, não?… ah, que disparate, já me esquecia que nunca terias tomates pra vir, não é?
- Estúpido, eu não vim porque não quis.
- Ai sim?Então o que estás a fazer aqui agora?… Contavas encontra-la e não esperavas ver-me a mim, confessa.
Tu acreditas no amor eterno, não sejas cobarde e assume-o
- Eu sou um romântico. Acredito em amar tudo e todos, e como sou parvo, apaixono-me por tudo. Conclusão: a paixao lixa-me o amor.
- Ahhhhh meu caro gémeo sonhador.... que saudades. Concordo e também acho que exista.
Tu já o tens nas mãos mas andas com ele sem nunca o largar por inteiro.
Seremos sempre isto, mas tu serás sempre a esperança.
O do corpo incorrumpível que só deixa que lhe contaminem os lábios e a pele, mas o sangue, esse será sempre só o teu, o puro, o genuino, o que ainda acredita!
Isso é extraordinário, invejável até .
- Olha lá, tu tens noção que acabaste de me despir como nunca ninguém o fez?
Sinto-me completamente nu. Odeio-te. Cabrão.
- Tu tens noção que sempre estivemos a nu um com o outro, não tens?
- Juro-te, sinto-me pela priemira vez a descoberto. Que horrorrrrrrr…Acho que nunca me despiram tao rápido. Como és capaz? Odeio-te…
- É… a velocidade é um dos meus fortes, ou um dos meus males, nunca cheguei a perceber.
- Como se fosses contaminado na concha percebes? Uma ostra num mar sujo vive suja, mas há sempre uma esperança lá dentro. Ai… está a fazer-me confusão falar de mim. É demasiado pessoal e não o falo com ninguém. Nunca o fiz e isto baralha-me.


O silêncio apodera-se do momento e Matthew, nervoso, afasta-se até ao jardim. Parecia completamente perdido. Aproximo-me dele e ergo o meu braço sobre os seus ombros.

- É mais fácil calarmo-nos do que falarmos de nós mesmos, não é? Mas não temas... doi mas liberta.
- Ás vezes prefiro surpreender-me com as minhas acções do que pensar porque as fiz.
- Ás vezes preferes agir sem pensar na ilusão de isso te ilibar da responsabilidade dos teus actos, isso sim. Preferes não dar tempo à tua consciência na esperança de que a grande máquina por ti arquitectada apague rapidamente o peso do resultado dos teus próprios pensamentos. Era isto que querias quando me convidaste ontem a ficar à conversa à lareira... a certeza que não elouqueceste quando chegaste a estas conclusões sozinho e a sós. A confirmação de alguém que não tem nada a perder e por isso te verbaliza, em corpo presente, o que vês gritar de dentro de ti.
- Se eu soubesse que iamos ter esta conversa à lareira nunca te convidaria.
- Convidarias sim... Quanto mais não fosse pela vaidade de correr esse mesmo risco e da quase tesão mórbida de testar o limite da tua pele.

Afasta-se e de costas reage…

- Cala-te
- Calma meu amigo, eu não seria o “monstro” que pintas mas sim apenas o teu próprio reflexo.
- Eu sei… desculpa.
- A tua nudez tornou-se num dos segredos mais bem guardados do mundo Matthew, e isso pode não ser saudável.
- É fantástico falar contigo sabias?
- O problema é que com "o segredo" libertaste o perfume a mistério. E com ele vem o desejo. E com o desejo vem a gula, a destruição. A esta altura da tua vida ja deves ter provocado a vontade de muita gente em ver-te cair. E terás perfeita consciência que foste tu que alimentaste esse “animal”. Continuas a alimentar os animais famintos em teu redor. Porque preferes a ilusão de que perto os conseguirás controlar e assim evitar que te engulam.
- Mas depois tudo tem um ciclo. Se não te anseiam não tens segredo e sem segredo desmanchas-te.
Comom brincar ao ensaio sobre a cegueira…
- Poupa-me! O teu ensaio, a tua prisão, é mais bem erótico/decadente que isso.
- Certamente… e isso coloca-me em risco.
- Tu és um filho da pureza mas o teu sangue só se bombeia com o espesso óleo da libertinagem e lascívia inteligente. É essa dualidade que te conduz à loucura... entre o “Quero” e o “Não Posso.”
- Amo-te.
- Não verbalizes obras para as quais não tens força de levar até ao fim meu caro.
- Odeio-te… às vezes assustas-me. És provocador e ao mesmo tempo completamente mórbido num carrousel qualquer onde a vertigem é cuspida dos teus lábios e se torna certeira…
- Nos mais guardados segredos, não é?


O silêncio regressara e agora para ficar. A cara de Matthew estava gélida e imóvel, sabia que naquele momento o verbo seria a última jogada e a mais arriscada de todas, mas ainda pergunta:

- Como és capaz?
- Não é uma questão de ser, é uma questão de poder…
- Ora não fosses tu o…
- Nem te atrevas!


Abandono o hotel deixado-o preso pelo olhar sobre o ombro. A vida tinha-me brindado em orgasmo naquelas horas, era o feitiço daquela que partira. Até aquele segundo fizera-se notar presente mesmo já algures num caminho de perdição rumo à cidade que, aos três, nos incendiou. Deixou assim a descoberto a verdade, deixou assim vulnerável tão secreta nudez.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

La Vie en Rouge


O carro parou mesmo à porta como pedi para não acontecer.
A extravagância de todo o código protocolar rebentavam em discordância com o meu estado de espírito. Olhei para o Manuel e com um olhar cansado acho que lhe disse:

- Eu tinha pedido para não parar à porta. Para a próxima venho de taxi.
- Ora menino, o que tem que ser tem muita força. Está como costuma dizer aos seus amigos “Fabulous” - que entre risos confessa - Demorei algum tempo a decorar confesso. Vá lá… está tudo à sua espera como de costume e não lhe custa nada fazer a vontade por inteiro.

Surpreendido com o sentido de humor que até hoje me surpreende, não evitei desmontar-me ali todo. Afinal de contas aquele homem já assistiu a tanta coisa que talvez ele seja dos poucos que realmente me conhece.
- Tu tens uma lata Manuel. Se a Sr.ª minha mãe te ouvisse agora iria já achar que até a ti te converti. Mas talvez tenhas razão… só estou cansado e não me custará assim tanto mais uma noite de supostas “iluminações e vaidades”.
- Ela está de partida e faz mesmo questão que esteja aqui hoje. No fundo acho que ainda vos irei ver juntos um dia. Quem sabe casados.
- Manuel, menos. Sabes bem que ninguém acredita menos no casamento que eu.
- Vá… vá lá que já conta com a sua elegante hora e meia de atraso.


Abriu a porta e saí com todo o gesto daquele rectângulo de silêncio confortável.
Irrompo pelo corredor do jardim que reflectia no chão toda a minha vaidade. Subo os degraus e sorrio para o camareiro que me rebenta de simpatia por finalmente me ver.
Aquele também se algum dia abrisse a boca haveria de revelar muitos segredos de tantos que já lhe passaram pelo braço.
As portas de vidro abrem-se e ao primeiro rasgão senti logo a imensa combustão de perfumes e os sons clássicos que ela tanto fazia questão de ter presentes em todos os inícios de festa.

Entre a multidão de vestidos longos e smokings alugados os meus olhos não conseguiam evitar as jóias (umas falsas outras verdadeiras) das tantas personagem que aquele mulher consegue reunir a seu prazer.
Sempre tive a sensação que muitas daquelas pessoas se vestiam e se adornavam especificamente para ela. Afinal de contas, para tantas, um convite de Isabelle é quase que uma nomeação para a casa real de um condado onírico qualquer.

A bandeja dirige-se a mim, aceito uma bebida. Agarro no copo e sinto uma textura diferente. Olho para as minhas mãos e percebo o detalhe sublime. Só ela mesmo para se lembrar de uma coisa destas. Cada copo tinha preso, no pé, uma fita de cetim encarnada. Nas duas pontas da fita estavam presas duas medalhas (cada uma em sua ponta) de metal com as seguinte frase: “La Vie en Rouge”.
Ela sempre foi a mais lunática, a mais louca, a mais minuciosa mas isto eu achei extraordinário.

Procuro-a de imediato naquele imenso hotel. É ela que me encontra e, pelas costas, abraça-me.

- Estás à procura de alguém?
- De ti meu amor… tu és incrível.
- Gostas?
- Estás linda, como sempre. Eu sabia que haverias de estar de vestido “Rouge”. Percebi isso nas medalhas.
- Vesti para ti e terás sido dos poucos que reparou nesse detalhe.
- Não sejas assim, toda a gente terá reparado. Aliás, é por isso que o fizeste.
- Achas mesmo?…sabes bem que o fiz para nós.
Repara…
(e rodopiou sobre si mesma com os braço ao alto recordando os seus tempos de bailarina quando o seu público a aplaudia de pé)
Não resisti e comprei-o para mim. Liguei ao Manuel e ele revelou-me o que tinhas preparado vestir.
- O Manuel, aquele traidor… e a cena do carro também foste tu que o convenceste a fazer?
- Claro meu querido, onde já se viu Sua Alteza entrar de de forma discreta…
- Só tu. Nunca vais mudar pois não?
- Nunca…


E desliza a mão sobre o meu braço, aproximando os lábios dos meus, provocando o orgasmo da imensa dança entre o seu perfume e a minha pele.
Agarra-me na mão e puxa-me conduzindo-me pela festa enquanto, no disfarce da simpatia em que a todos sorríamos, íamos falando.

- Tenho umas pessoas para te apresentar.
- Ok, mas conta-me, como estás?
- Estou pronta.
- Pronta?
- Sim, pronta para não mais voltar sem ser somente assim… de passagem, de festa.
- Eu percebo…

Somos interrompidos por um burguês qualquer que na encenação do seu gesto quase fez-nos prever que, até nós, já teria adormecido muita gente em escassos minutos de conversa.
O burguês, um jovem artista plástico que também escrevia poesia (tão pouco surpreendente) entre o exagero da adoração por ela deixava escapar o ar nervoso de um desejo voraz pelo meu pescoço. Era infinitamente delicioso no seu constrangimento e exagerado esforço em manter a pose.

Isabelle, como uma verdadeira diva, mantinha a pose provocadora versus professora de ballet entre o gesto da ponta dos seus dedos e as delicadas e flagrantes expressões do seu olhar. Nunca me largara o braço durante toda aquela agonia de conversa da treta e fez deixar claro que nem tão pouco o ia fazer quando me tentei soltar no final do primeiro minuto.
Enquanto levo o copo à boca desvio o olhar cruzando-o com o dela. Ela estava a ter um prazer mórbido com toda aquela encenação. Ela gritava em silêncio numa gargalhada infantil por dó daquela criatura. Não o deixava invisível com o torcer constante do tornozelo. Mas era óbvio que o infeliz nem o notou.

Finalmente o burguês livrou-nos da agonia quando Isabelle, já rendida, o decide apresentar a uma vereadora qualquer. Uma carcaça que já estava tão habituada a entrar em cena quando preciso que tinha certamente já bebido demais para o aguentar.

Avança rapidamente em fuga arrastando-me para o jardim como se por dentro tentássemos mais um record de corrida no Luvre.

- Que tédio de personagem Isabelle, era aquilo que me queria apresentar.
- Não querido, mas agora também já não interessa… Ai foi tão divertido. Reparaste como ele estava nervoso?
- Reparei…parecia uma criança. Achas que ele desconfia de nós?
- Acho que ele terá a certeza e estava com medo que nós o percebesse-mos. Ridículo. E o desejo? Ai…e o desejo…
- Pára…
- Lá está cherrie, lá está… como é que a vida seria Rose se pode ser Rouge?
- Já tenho saudades tuas.
- Eu sei, mas é bom que o sintas porque tenciono esperar-te lá.
- Tu estás pior meu amor… sabes bem o que a aquela cidade faria de nós.
- Aquela cidade à muito que nos espera.

O silêncio apoderou-se daquele lugar. A festa decorreu como esperada e mais uma vez assinalou o adjectivo de inesquecível para tantos daqueles corpos.
O meu carro chegou e eu decidi ficar.

Na manhã seguinte acordo e a cama estava vazia. Pelo frio dos lençóis ela já tinha partido à algumas horas. Na mesa, um bilhete simples:
“A morte fica-nos tão bem. Isabelle”

Inundo-me no banho e sinto o empregado a entrar. Quando regresso, junto ao pequeno almoço tinha uma mala que fabulosamente o Manuel (o tão extraordinário Manuel) deixara na recepção com duas mudas de roupa e um frasco de perfume.
Dei comigo a pensar que, se a minha vida dependesse de algumas pessoas, eu seria perfeito com toda a certeza.
Arranjo-me e já junto à porta ainda vislumbro o travo do seu perfume. Ela desenhara tudo na perfeição e como uma grande miragem até no abandono se tornava perfeita.

Passo pela recepção e peço para me chamarem um taxi. Ainda era muito cedo para eu ouvir o Manuel.
Do lóbi de entrada reconheço uma silhueta lá fora. Aproximo-me e não queria acreditar.
Era ele, Matthew. A olhar para mim, nas escadas do Hotel, com toda a certeza de quem me esperava por aquele momento.




06 - Casta Diva!.mp3 -

quinta-feira, novembro 20, 2008

Trust

photo by John Howard

- Trust everyone, but always cut cards. That thing my father never taught me. You know what that means?It means never trust anybody.
- If you're so good at reading people..
- Then why I lose?
- Yes.
- 'Cause you can't always win. You can beat players, but you can't beat luck. Sometimes you read them off. You read person right, but you still did the wrong thing.
- Because you trust them?
- Because you can't even trust yourself.

// music game

Foi-me lançado o desafio...
(responder com música)



1) És homem ou mulher? Movie Star // Roisin Murphy
2) Descreve-te: Quero é viver // Humanos
3) O que as pessoas acham de ti? Diamonds are forever // Marylin Monroe
4) Como descreves o teu último relacionamento: Etéreo como Alcool // Cibelle
5) Descreve o estado actual da tua relação: Breath // Telepopmusik
6) Onde querias estar agora? Gobblegigook // Sigur Rós
7) O que pensas a respeito do amor? Great DJ // The Ting Tings
8) Como é a tua vida? The Story // Nora Jones
9) O que pedirias se pudesses ter só um desejo? I Want Candy // Bow Wow Wow
10) Escreve uma frase sábia: They Can Wait // Dani Siciliano


domingo, novembro 16, 2008

Contra Luz

photo by João Paulo

Junto ao museu da electricidade, 17h.

- Tu estás bem?
- Tu? Aqui?
- Isso pergunto eu, o que estás a aqui a fazer?
- Vim apanhar ar e aguardar o por-do-sol no Tejo.
- O quê? Tens noção?... tu odeias essas coisas...
- Eu preciso destas coisas, não sabias? Mas bem, e tu? O que fazes aqui?
- Vim ver a exposição e até encontrei a Laura lá dentro.
- Ela está aqui?...vou-lhe ligar... ela não chegará a tempo mas assim que escurecer ainda nos resta a noite e tanta coisa...
- Tu estás bem? Já viste bem como estás...simples.
- Eu sou tão mais simples do que aquilo que possas imaginar.
- Hum...ok...mas se precisares de alguma coisa liga. Eu vou ter que ir a Santos mas de qualquer forma estarei por perto.
- Ok, obrigado, mas não será preciso.

O sol afundou-se, por fim, no Tejo. Um espectáculo glorioso a que assistia quando sente uma mão sobre o ombro.

- Laura?
- Sim, seu eu meu querido...mas fala baixo. É lindo não é?
- Incrível, ainda à pouco falei de ti e achei que já não chegarias a tempo...
- Achas mesmo que o deixaria desaparecer sem o contemplar no adormecer?
Existem certas coisas na vida que sabes bem que preciso. Esta é uma delas. E existem momentos perfeitos como este...em que te encontro a ti também aqui.
- Ainda seremos os dois animais feridos que se arrastam no asfalto lambendo as feridas?
- Não... hoje aquecemos assim a pele para que as fendas não demorem muito a fechar.
Sabes que não tiveste a culpa, não sabes?
Sabes que também eu não tive a culpa, não sabes?
- Sim... acho que tens razão.

- Tenho... e agora vamos, já escureceu e estou faminta. Vamos regressar à cidade e procurar os clarões dos candeeiros.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Piaf...Piaf...Piaf

photo by Peter Stackpole
" A minha vida não tem nexo,
dar-lhe um rumo é dar-lhe um fim."

by Piaf

quinta-feira, outubro 09, 2008

sexta-feira, outubro 03, 2008

The Pleasure is all Mine


Quando o segredo do amor se revela maior do que o da própria morte.
De repente estava ali, sentado, com o corpo totalmente dormente.
As luzes e as gargalhadas em redor do, agora vulnerável, pedaço de carne, recriavam o cenário de todos os bordeis.
As cortinas de veludo, com o vento, acariciavam-lhe as pernas numa qualquer parte que não conseguia reconhecer. O feitiço. A maldição.
- Theo, estás bem? Vou buscar mais umas bebidas... estás a precisar.
Gritava ela insana numa euforia em que a anestesia a fazia voar entre a multidão de morcegos e vampiros iluminados.
Os olhares, as línguas mal presas naquelas bocas... os dedos que percorriam as formas todas e de todos.

Theo recupera e levanta-se lentamente. A força de uma memória contaminada rebentava com o que restava da saliva no seu olhar. Era urgente beber... a anestesia estava a enfraquecer e com isso trazia a consciência de tudo aquilo que queria inconsciente.
Arrasta-se dançante por fim. Os seios de Penélope e o longo cabelo de Sylvia.
O perfume... o som. A vibração da mais repetida das orgias que, entre o som, quebrava os encarnados fortes de todos os tons, e bombeava a veias nocturnas de todos os prazeres. O sexo. A vaidade.

Camilla volta e desta vez com uma bandeja que pelo caminho prometia atirar ao ar juntamente com os seus vintage red shoes. Procura por ele que já não revê no corpo que agora o substituía naquela cama dourada.
Estava à beira rio, no bar.
Talvez se tenha cansado de esperar ou talvez tenha sentido a urgência de veneno naquela garganta. Erguia a pose mas não conseguia evitar que o seu próprio cabelo dominasse a sua face. Estava absolutamente morto, estava finalmente de regresso à vida em si.

Ao fundo acena com toda a cortesia despedindo-se assim de um dos corpos modelo com quem tinha partilhado a lascívia horas antes... ou minutos... nunca o iria conseguir definir. Era o prazer desmesurado pelo gesto, era a contenção do seu peito e a diligência do seu perfume.

Faziam exactamente dois anos, exactamente naquele espaço, exactamente com a mesma cor. As luzes encarnadas e magentas que entre os quadrados minúsculos dos puristas resguardos inundavam as caras, os corpos, os cheiros, os sabores de todos os figurantes.
Dois anos antes, naquele chão de madrugada imunda, tinha partido o colar de pérolas.
Estava até então secretamente a juntar as suas partículas.

Ergue mais uma taça de champanhe e brinda ao inferno. Recorda-se da sua vida e pergunta a um estranho o que fazia ele ali.
O estranho, num estado deplorável e profundamente infeliz responde:
- Estou morto, já não aguento mais. O sol já nasce e eu estou aqui a adormecer. E tu?
- O sol já nasceu e eu acho que acabo de acordar.


Abandona o grande palco, a sua velha Catedral dos Murmúrios, já à porta deixa-se registar.
- Só uma foto meu querido, va lá... não pensava ir assim embora sem deixar a imagem.

Fez o número, cumpriu com o seu papel e sem peso abandona a cena. Entra no taxi e sem olhar para trás sorriu. Agora não do estado físico nem do estado de espírito...mas sim do imenso prazer da vida em si e da brutal vontade de todos os regressos.

***

CONTUSÃO


a cor aflui
ao local, púrpura e baça
o resto do corpo
está sem cor,
a cor da pérola.
numa cavidade da rocha
o mar sorve obsessivamente,
uma concavidade, o centro de todo o mar.
do tamanho de uma mosca,
a marca do destino
rasteja pela parede.
o coração fecha.se,
o mar retira.se,
os espelhos estão velados.


Sylvia Plath (1932.1963), pela água

domingo, setembro 28, 2008

A Temperança


"as vezes temos q andar mais devagar, nao devemos fazer esperar a vida, mas tb nao lhe devemos virar as costas qd ela espera por nós, ha q saber gerir esta dualidade... é a temperança"


by Ana Barroca

The Passenger

E se algum dia acordares e não te recordares de muito mais para além dos últimos anos que passaste na clínica de recuperação?
Perguntou a “bela e perigosa” Julian.

**


Estávamos algures entre o final de um Verão fugaz e o início de um Outono promissor. Num patético domingo em que Pietro se chegara mesmo a questionar se deveria acordar ou deixar que o dia passasse.

Vinham-lhe à memória as conversas e os saltos-altos de Piaf. A erudita inteligência daquela figura que entre linhas soltava um perfume qualquer que lhe nutria a pele com um pacto com o diabo.
A sua companhia era tão agradável e cénica que parecia querer definir o mundo com as teias que descosiam.

Uma das coisas mais extraordinárias naquela mulher era ter a perfeita consciência que, de Pietro, poderia arrancar tudo à excepção da resposta a uma única pergunta que silenciosamente o intelecto os permitiu acordar jamais ser feita. Se algum dia ela o fizesse saberia que a resposta nunca poderia ser totalmente verdadeira e isso iria estragar a verdade entre eles.
Um pacto de inteligência, um rasgo de sensatez.

Entre os corpos naquela mancha de gente já se passeava sozinho na noite seguinte. Ao subir da calçada cheia de gemidos começa a embriaguez da vaidade. Os abraços sedutores, as palavras superficiais, os gestos encenados… a mancha de figurantes que encobre os actores.

Susan tinha chegado à conclusão que o divórcio poderia vir a ser uma realidade. A dupla de amigos que a ladeava para que a colossal imagem não desmoronasse fazia de um tudo para relembrar que é nestas alturas que a superficialidade e o devaneio da vaidade nos serve.
A melhor anestesia de todas é o reflexo da beleza que conseguimos encontrar no olhos dos figurante quando nos desejam a embriaguez.

Dois passos em frente e Pietro Venucci ouve o seu nome a ser gritado ao mesmo tempo que alguém lhe derrama um copo de vinho em cima. Era a personagem com pretensões a aristocrata. Ridículo! As novas-putas estavam la todas. As aspirantes a novas ricas, os travestis e os quase travestis. As lésbicas famintas e os hetero modernos.

Mais um copo no bar de sempre e ao balcão ouve o nome da raposa. A raposa estava na cidade e andava disfarçada por aquelas ruas lembrando-o a ele o risco da parte menos racional de si.
Sai pela porta principal e lança um olhar de reconhecimento entre a multidão. Nada.
O território estava limpo.

Solta uma gargalhada e percebe que já à muito tempo não sentia o vampirismo daquela noite. Cobre-se com a capa e fura aqueles corpos para abandonar o palco sem que ninguém desse conta.
O telefone toca:
- Sim?
- Onde estás?
- A sair da cidade…
- Não saias… estamos a chegar à toca, vem ca ter que temos um saco de moedas douradas.


Ergue a mão e pára um taxi em pleno largo onde centenas de pessoas se rebolavam embriagadas em despedidas e guerrilhas sentimentais. Os tristes, os sós, os felízes, os anestesiados, os reais e os apenas superficiais.
Rouba o taxi à fila que por tantos aguardava e sente-se um marginal.
Voa até à toca e ao entrar sente a dificuldade do seu sangue em manter o equilíbrio naquelas escadas.
A música… o grande Zeus da sua existência… a maldita droga que o comandava desde sempre.
Prevê a malícia e vai de encontro a quem o aguardava.
Uma garrafa em comemoração… Uma qualquer comemoração que ninguém sabia mas isso também nada interessava.
Eram os dandies e os dada, os yupies e os wanna-be, os loucos e os contemporâneos. No fundo, alguns não passavam de retardados modernistas que tentavam a todo o custo imprimir páginas de existência com a ilusão de um charme tão frágil como as colossais expressões deles.

A músicaaaa… a música… e o seu corpo em alta temperatura deixando-se tocar pelo mundo e pelos corpos mundanos que não seguravam a saliva nos lábios.

O sexo.
O alarme.

De repente o corpo que o aguardava ao sono surge preocupado avisando que o William estava a passar mal lá fora.
Merda de amadores que insistem em drogas baratas e engolem um pilão inteiro de MD sem pensar duas vezes.
Lá foi ele ver o que se passava e a decadência imperava naquele beco escuro da velha cidade onde se escondiam dos dois polícias que vigiavam os excessos da toca.
Três corpos regurgitantes e moribundos faziam o maior esforço da vida para se livrarem de “todo o mal” que a infantil gula lhes tinha enfiado no estômago. Ridículos.

- Ed, já não tenho idade nem paciência para aturar estas merdas… eu estava tão bem lá dentro.
- Eu sei, desculpa, mas não sei o que faça. Ajuda-me.
- Chama uma merda de uma ambulância se nalgum momento esta triste cena piorar. Fazem-lhe uma lavagem ao estômago e amanhã já está pronto. Eu vou para dentro que aqui está frio.
- E deixas-me aqui, com eles?
- Sim… qualquer coisa vai ter comigo lá dentro.

Uma hora depois Pietro abandona o local do crime. Procura pelos corpos dramáticos na rua onde os deixara e como não os viu calculou que estava tudo bem.
Dirige-se à rua principal e enquanto espera por distinguir um taxi pára um carro que ostentava todos os clichés da nova burguesia.

- Perdido?…não quer uma boleia para casa?
- Boa noite… não, estou só à espera de um taxi.
- Mas eu levo-o o casa e metemos a conversa em dia. Afinal de contas desde que me deixou especado no Lapa Palace que nunca mais conversámos.


(este era um típico novo rico daqueles que ninguém sabia de onde tinha surgido e que caíra de chapão na cidade. O típico patético que achava que o seu dinheiro era a porta de entrada para a aceitação entre a tribo e que uma noite montou um cenário gigante de mordomias para o conquistar.
Pietro ainda se lembrava dessa noite. Ainda se lembrava da cara do camarero no salão de entrada quando saiu. Do olhar mordaz do jardineiro e roupa de noitada com que saira pela porta principal. No fundo até tinha alguma pena dele… o pobre rapaz era apenas uma pessoa pouco inteligente que só queria ser aceite.)

- Achei que tínhamos acordado não falar sobre isso..
- Tem razão… o que lá vai lá vai e não quero perder a sua amizade por isso. Eu no fundo até compreendi.
- Levas-me a casa então?
- Claro, com todo o gosto.

Estava então ele a rebaixar o corpo para entrar naquele carro rasteiro quando de repente sentiu que não o poderia fazer. O pobre desgraçado iria novamente alimentar uma ilusão de amizade e a queda seria ainda maior.
Mesmo bêbado, encheu-se de dignidade e disse..

- Scott, não posso… Mas um dia beberemos um copo, prometo.

Pára um taxi e atira o seu corpo cansado lá para dentro.
Desaparece na estrada e adormece na anestesia do seu sangue ao som Iggy Pop que o taxista, numa rádio qualquer, insistia em ouvir.
O mundo pareceu-lhe perfeito… o acaso daquele momento fechava na perfeição a bando sonora daquele fim-de-semana.E mais uma vez recordou as palavras de Piaf… e sim… a vida era um grande conjunto cénico.


The Passenger - Iggy Pop

sexta-feira, setembro 19, 2008

Non, Rien De Rien...


Non, rien de rien,
non je ne regrette rien,
Ni le bien quon ma fait, ni le mal,
tout a mest bien gal.


Non, rien de rien,
non je ne regrette rien.
Cest pay? balay? oubli?
je me fous de pass?Avec mes souvenirs, jai allum?le feu,
Mes chagrins, mes plaisirs, je nai plus besoin deux.
Balays mes amours avec leurs trmolos,
Balays pour toujours, je repars ?zro.

Non, rien de rien,
non je ne regrette rien,
Ni le bien quon ma fait, ni le mal, tout a mest bien gal.


Non, rien de rien,
non je ne regrette rien.
Cest pay? balay? oubli? je me fous de pass?
Car ma vie, car mes joies, aujourdhui, a commence avec toi!

sábado, setembro 13, 2008

Electric Feel

Às 20h já no vintage bar, chega Piaf deslumbrante que rapidamente se juntou ao vinho que já Kat e Harry partilhavam. Os veludos e as peles, os tons fortes e apaixonados de uma época dividida, aperfeiçoavam o toque do imenso tabuleiro de xadrez onde se debruçavam à gargalhada e tantas vezes em indignação.

Foram jantar e Piaf conduz os corpos já elaborados até "ao inferno".
Cocktails e brindes, música e jogos de sedução. Gestos e histórias. Gargalhadas e confissões.
No "comboio do mal" o três celebravam de alguma forma a imensa juventude que lhe corria nas veias de prazer.

Harry afasta-se da pista de dança e dirige-se à casa-de-banho já aflito de tantos líquidos.
Na escadas, ele...
Já se conheciam, sabiam perfeitamente quem eram, nunca se cumprimentavam. Mesmo depois daquela "festa fúnebre" onde foram oficialmente apresentados.
Avança e decidido fita-lhe o olhar estendendo a mão. A cortesia era um gesto que ele, sem saber porquê, esperava daquela personagem.

- Olá, tudo bem? É a fila?
- Olá, é sim...
- Fuck, ainda te tenho à minha frente.
- Troco o meu lugar por uma bebida.
- Que bebida?
- Cuba-libre.
- Aceito.


Uma agradável surpresa, uma noite "fucking fabulous" como gostava de dizer. Mas já no taxi rumo a casa deu consigo a pensar: "Hum... quem diria."

sábado, setembro 06, 2008

NIP|TUCK

Foi exactamente assim...
Não houve rap-francês, porque para mim decidiram que teria que ser um som do Prince (acho porque na recepção mencionei o dia fatigante que tinha tido e a imensa necessidade que tinha de me revitalizar) e uma hora depois já via as linhas a coserem tudo. Tal como sempre imaginei.

Foi assim, foi exactamente assim...
Hoje, dois dias depois, ainda fechado nestas quatro paredes mas já com acesso ao mundo, atendo o telefone e oiço uma voz com uma banda sonora por trás.

- Estou a deprimir...
so sei que vou sair, e vou beber, e vou dançar e vou esquecer....
Estás a recuperar bem?


A ti, my dear Isabelle, dança, bebe, grita, esquece... que existem momentos que devemos mesmo celebrar a anestesia.

I Dont Know What It Is - Rufus Wainwright
"I Don't Know What It Is" by Rufus Wainwright

domingo, agosto 31, 2008

Think of Cinnamon ...

Um bicho animal, um bicho do mato cujos os olhos escuros levantaram a questão num corpo tão tenro e naife. Os passos leves de uma criatura sem abrigo entre a multidão fizeram-no fechar os olhos e imaginar a grande selva que ali o abraçava. Invisível, divisível... estranho.


photo by Carlos Amaral

Olhei para ele no momento exacto em que trapezista o abordava.

Aproximei-me e ouvi:

- Até que enfim te encontro. Tiveste ausente, toda a gente tem perguntado por ti.
- Deixa-me. Esse mel que escorre das tuas presas já não me crava nada na pele.
- Estás outra vez tão bêbado e drogado...
- Estou de volta, não era o que queriam? Por inteiro...eu.
- Mas vem comigo, eu levo-te a casa...
- Tornaste-te numa personagem ridícula e nem te deste conta. Larga-me, eu já te disse. Esquece-me. Ainda agora cheguei a esta noite e tu serás a última pessoa com quem a quero celebrar.
- Estúpido...
- Eu sei que me amas. E obrigado pelo gesto em si.


Largou aquele ser e deslizou pela calçada a sós. Procurava aqueles olhos escuros, aquele bicho animal.

Não sei ao certo em que momento decidiram, não sei ao certo se houve um momento. Sei que às tantas já estavam à conversa, conseguia vê-los entre a multidão. E que de repente ele se dirige a mim e despede-se com o seu antigo abraço e baixinho diz:

- Vou-me embora entre aqueles que me tocaram a alma e não conseguiram despertar o meu corpo e aqueles que me tocaram no meu corpo e não conseguiram atingir a minha alma.
Existe uma criatura misteriosa nesta noite... a tentação hoje é um pecado que prevejo nos meus lábios.



sábado, agosto 23, 2008

O regresso...


Às vezes pensamos que o termo “para sempre”, muito embora o conheçamos apartida como uma fraude garantida entre pedras, nos define a eternidade de uma vida. Nessas mesmas vezes olhamos sobre o ombro e erguemos de seguida a cabeça num olhar forte e directo que contempla apenas o caminho a seguir em frente, ignorando por completo tudo o que ficou para trás.

Escondemos de nós todos os artefactos que nos recordem o passado que decidimos assim chamar no exacto segundo em que decidimos partir.
Nada nos poderá perturbar o ritmo ou a coreografia de um novo desenho no ar a que nos ensinam a chamar de novo.
E é do alto dessa certeza que nos entregamos ao espaço e deixamos que as tábuas de um palco façam do nosso corpo estendido o que bem entenderem.

Descobrimos de facto um mundo novo, uma imensidão de vida em nós que jamais imaginámos existir. Caminhamos pelo nosso próprio pé e assumimos o luto do passado que nos pesa no andar.
Morremos.
Para nascer efectivamente de novo.
***

Numa tarde de Verão ao contemplar o seu próprio disfarce no coração da cidade o telefone toca.
Era um número aparentemente desconhecido mas o indicativo exterior rapidamente o fazia recordar a outra. A outra cidade que por ele esperava. A outra perpétua morte que em tempos lá deixou.

- Hello?
- Sou eu, podes falar em português que já tenho saudades.
- Não acredito…
- Sim, sou eu.
- Isabelle?
- Oui, c’est moi.
- Como estás?…esse sentido de humor e oportunidade…
- Estou óptima meu amor, e tu? Perdido?
- Talvez… Mas porque perguntas?
- Porque ainda não voltaste a Paris e Lisboa já não te reconhece. Como foste capaz? Confesso que me surpreendeste.
- Estava a precisar… sufocou-me o exagero do meu regresso e precisei de ar.
- Sabes que a maioria das pessoas que te rodeava acha que voltaste a fugir. Ninguém te vê, ninguém te encontra. Foi uma jogada de mestre sim senhor. O eterno mito que sai de cena entre o fumo que deixa apenas as tábuas sob a luz.
- Tu e o teu dramatismo… olha foi exactamente esse âmago que me levou a fugir, vou esse mesmo sentimento que me trouxe de volta, e voltou a ser essa a razão pela qual desapareci mesmo sem mudar de cidade.
- Volta para Paris… aqui ninguém te merece.
- Aqui? Onde estás?
- Sim, estou em Lisboa…
- Estás a brincar… onde estás?
- Aqui mesmo, neste largo de Camões onde te sentaste quando atendeste o telefone, olha para o fundo… em direcção ao Adamastor…


E ela estava ali, exactamente ali… em contra luz com a silhueta opulenta e sinuosa de sempre. Os anos não tinham passado por ela, estava mais bela e mais radiante que nunca.
Salto alto vermelho tal e qual como se tinha despedido em tempos.

Desligaram os telefones e aproximaram-se um do outro.
- És completamente louca… o que fazes aqui?
- Vim ontem e amanhã mesmo regresso a Paris. Estava a precisar deste ar, desta dor, desta puta desta cidade. Mas deixa-me olhar para ti…
- Como me apanhaste aqui? Acabo de sair da agência e por mero acaso parei aqui no Chiado para comprar gomas… incrível.
- “Não existem passos divergentes para quem se quer encontrar”, já te tinha dito em tempos.
- Tu não és normal… que estranho… acho que ainda nem estou em mim.
- Va, abraça-me e deixa-me cuidar de ti.

Não demorou muito tempo até sentirem a virtude da força que sempre existiu ali. Não demorou muito mais o encontro e como se no dia seguinte se fossem ver, como se o tempo não tivesse passado, despedem-se à boca do metro deixando os perfumes entranhados entre si.

E nunca mais voltou a ser o mesmo.
Como se de repente senti-se o calor do disfarce e o peso da ausência.
Foi jantar com mais amigas que também não via à muito tempo (à tempo demais, agora sabia-o) e no regresso do vinho e das gargalhadas deu-se conta do quão a vida o tinha feito diferente.

Chegou a casa e não estava lá ninguém…
Afinal de contas tinha voltado a dormir sozinho e o silêncio tinha voltado como na altura em que tinha fugido desta cidade.

Olhou para o chão do quarto enquanto abria outra garrafa. Ergueu o queixo e decidido decide abrir uma das caixas já fechadas. Na aparelhagem recorda uma das muitas músicas do seu “antigamente” ali.
Acende um cigarro e deu-se conta que ao longo daquele ano já passado depois de tudo, o seu bilhete de avião já perdia a cor. Sorriu no reviver de cada momento e fragmento de imagem que guardaria para sempre daquela imensa história vivida.
O momento da notícia, o divórcio, a fuga… o bilhete só de ida. O Inverno mortal, o luto e o abandono. A demência e as promessas. As decisões e os vícios. A primavera e as viagens. A mala nova e os tantos destinos. O cheiro das chegadas a cidades desconhecidas, o sabor das novas refeições e a gargalhada em diferentes línguas. Os corpos amantes e os delírios da liberdade. As paixões e os excessos. O regresso titânico e as extravagâncias de uma nova profissão. A vaidade e a luxúria, e as noites em festa pelo simples prazer de viver. A segunda fuga e o desaparecimento. O disfarce e o esquecimento… as revelações e a verdade. A dor e a realidade.

Pegou na caixa de música e no silver scarf, no alfinete de Versailles e no cálice, na caixa das memórias e no livro. Retirou-os das caixas onde adormeciam à força e espalhou-os pelo espaço como se de quadros de família se tratassem.
Sorriu e olhou-se no espelho.
Recordou-se de todos os tons da luz que e só a ele lhe pertenceram, celebrando o que de melhor conhecera em vida – a felicidade brutal da total consciência da fortuna em si - e simplesmente verbalizou:
I´m back!

After WHITE BAG

photo by Marcos Semola

Timeless

photo by Nicholas Eveleigh

They were waiting for a cure...

Existem dias que marcam a mudança de um caminho. Existem pessoas que mudam o rumo das vidas onde tocam, momentos em que o mundo que conhecemos até ali se despede de nós e nos atravessa as memórias numa montagem cineasta mais fabulosa do que qualquer outras a que tenhamos assistido.

De repente, ou por vezes depois de uma silenciosa espera, erguemos o rosto e reparamos que o ar está diferente, que a estação mudou.
Olhamos em redor e sentimos o odor do tempo que sabemos se destinar a perfume.

Passaram afinal quatro estações. Quatro. Regressamos à última em que ficámos e percorremos fragmentadamente uma a uma, como se de um cinema mudo se tratasse com som apenas para dar voz àquelas palavras que nos mudaram as direcções.
É incrível a fortuna e perfeição da nossa mente quando recordamos uma vida. Ela trata de irracionalmente guardar ao longo do tempo todos os pequenos detalhes que sabe já fundamentais para uma apresentação racional de um dia. Elege as pessoas, as cores, os gestos, os cheiros e os espaços... as palavras e os silêncios certos. Deixa-nos apenas escolher uma banda sonora que, por cortesia, reconhece a inteligência de delegar à emoção.

É fabulosa a vida aqui.

Estava sentado naquela cadeira de Inverno ali no meio da multidão desde o tempo em que o sol começara a dar sinais de frio. Atravessou o tempo reconstruindo os detalhes daquela poltrona que tinha deixado a envelhecer noutros tempos. Sempre sentado coseu as feridas do veludo e retocou as lascas da talha pela estrutura.
E de repente... ou não tão de repente como isso, ergue o rosto sente que o frio já devolvia os sinais do sol.
Olha em redor e tudo o que sempre deixou que se move-se em seu redor parou por um instante. A velocidade congelada que agora trocava com aqueles corpos, formas, cores, cheiros e objectos fez com que se permitisse ao gesto de novo. Era só ele e o mundo. Só no seu relógio havia a possibilidade do acerto naquele instante. O Tempo estava congelado, o tempo do mundo.
Não sabia quanto tempo poderia durar aquele momento. Não sabia quanto tempo poderia gozar do gesto e da invisibildade de se mover com o olhar detalhado entre tudo.
They were waiting for a cure...

Não se perde nada quando já nada resta a perder – pensou.

Quatro estações. Quatro.
E aguardou na mesma sentado que a velocidade do tempo regressa-se a tudo para aí sim, na sua verdade, poder gozar da segurança da real invisibilidade.
O Tempo voltou e o gesto de tudo retomou o ritmo desde o ponto exacto onde tinha ficado como se nada tivesse acontecido.

Levantou-se pela primeira vez e rasgou o rosto com o sorriso que lhe semicerrava os olhos, como muitas vezes teve o privilégio de fazer na vida.
Olhou para a vida, saboreou a apresentação e escolheu a banda sonora.
Do bolso revê o seu relógio e acerta então os seus ponteiros com os ponteiros do mundo.
Avança um passo e percebe que tinha chegado a hora.

Abandona a poltrona e desaparece na multidão.



Oh, here we go


They're all waiting for a cure

So free..

photo by Paul Bradbury

- Trouxeste o vinho?
- Não! Esqueci-me!...vamos voltar atrás.
- Não é preciso, paramos numa loja qualquer a caminho e compramos.
- Não, vamos voltar atrás.
- Por favor, ela não se importa e já estamos atrasados... que exagero.
- Não, já estou a voltar atrás. Fica no carro que eu vou só lá acima buscar a garrafa.


A mesma sala, o mesmo sofá, a mesma mesa, o mesmo cheiro.
Ao abrir da porta consegui reconhecer até nela o estranho que era voltar a ver aquela imagem de novo a entrar-lhe pela casa a dentro.
Ela tinha um novo look. Uns óculos vermelhos que lhe abriam o sorriso de sempre.
Procurei no olhar da anfitriã o conforto do reconhecimento de que aquela imagem era, ao final de tanto tempo, no mínimo estranha.

A mesma sala, o mesmo sofá, a mesma mesa, o mesmo cheiro.
O chegar atrasado de outros tempos marcava o ritmo da recordação.
O pele de pêssego verde aveludado do sofá serviam de recurso gráfico às histórias recordadas e recontadas ao outros dois corpos sentados à mesa.

A mesma luz, o mesmo café, a mesma chávena.
Restávamos três do passado e os segundos relembravam os outros dois de longe que agora eram substituídos por outros dois mais de perto.
Não nos pertenciam, não faziam parte da parte daquela história.

- Os homens não usam jóias Tiago.

Mais uma vez o “eu ajudo-te a levantar a mesa” e eu ali sentado à mesa a fazer sala a quem fica, a fazer sala a mim mesmo.
Termino o vinho que, invariavelmente, começa e acaba em mim e olho em redor.
Onde estás?... como é que a vida aqui te trouxe depois de tudo?
Suspiro e no ultimo travo do cigarro adormeço o corpo e deixo-o apenas ser guiado.

O mesmo tabuleiro, as peças que restam, novas casas a ser habitadas.
Eu já não moro aqui.
Ainda assim tudo me parece perfeito. As voltas que tudo deu para vir parar exactamente aqui, onde tudo devia ter ficado.

- Os homens não usam jóias Tiago.
Não estes homens deste jantar, mas para sempre os homens de sempre.



So Free (3 Acts)

Love is getting you bored
It's so hard
For me and for you
And everyday
I wake up and say
It's gonna be a brighter day

You left me alone
As you walk out the door
And you broke us apart
You broke us apart

This time is for good
I would cry if I could
It's so hard
But it's better for my heart

Away from me
Away from me now
Now
From me now

You got to be
You got to be so free

Le Petit Trianon

Chovia em silêncio , naquela Primavera senil, quando se despediu pela primeira vez de si mesmo naquela história.

No banco do jardim repetia a imagem e as palavras daquela personagem que partira do palácio.
Estava doente, e o seu corpo denunciava a cada gesto o desiquilíbrio de uma vida demasiado intensa até ali.

Anoiteceu e ali continuava. Com o seu vinho, o seu cigarro, o seu livro e as suas infinitas recordações de detalhe e beleza em tudo o que viveu.
Arrefeceu e com um simples gesto percebe o fim. O manto de veludo negro, que terminava seguro num remate barroco de fio de ouro, estava de regresso sobre si de uma forma tão natural que nem se deu conta. Estava frio e não conseguia deixar de rever os fragmentos da repetição da vida ali. Exactamente ali. Onde um dia, também já para lá daqueles muros, entre as seteiras, se despediu a primeira vez daquele corpo.
Regressara ao luto e na mão guardava o telegrama vindo do outro lado do Oceano, escrito por um amigo hoje mais sereno que lhe perguntava: "Chegou mesmo ao fim, não chegou?Esta na hora de virar as últimas páginas do livro. Percebo que sintas chegada a hora. Parte. "

O silêncio é enterrompido por uma voz:
- A LadyLime chegou. Está pronto para sair? Está tudo pronto para jantare na cidade com a máxima tranquilidade...
- Peça-lhe para aguardar um pouco no salão. Afinal de contas perdi-me nas horas e não será assim que quero recebe-la.

Já não via aquela amiga de longa data à muito tempo. Jantaria com ela e recordaria a saudade que lhe tinha abandonando o palácio e celebrando algures pela cidade.

Amanheceu e a primeira coisa que se perguntara era se iria conseguir passar outro tanto tempo sem ela. Passaram tanto e tão bom tempo juntos que até aquele dia não percebia como a vida os tinha feito não mais viver no mesmo condado. Ficava a esperança do seu regresso e o sorriso que sempre deixa marcado por onde passa. Seria uma irmandade para a toda a vida e isso por si só já lhe dava a certeza do “para sempre” que em poucos lugares encontrou na sua viagem.

Abre as janelas e ao pequeno almoço decide partir.
Recordava o mundo como ele era e abraçou-se em despedida com a saudade do que ele foi.
Fez as malas e partiu.
Em silêncio, ao entardecer, rumo ao exílio de si mesmo, rumo a Petit Trianon.


The Reason Why...

photo by Ghiotti
Lembras-te do dia em que nasceste?
Eu recordo-me como se fosse hoje... eras uma criatura tão pequena que quando te soprei temi rasgar-te a pele.

359 dias... 359 dias depois. E és capaz de respirar no mesmo espaço que eu sem que o segredo se revele entre os teus lábios.
Quando foi a ultima vez que me terás conseguido olhar mesmo nos olhos sem o arrepio da verdade a descoberto?

Queres saber porque é que ainda não disse que hoje sei de tudo?
Porque se o fizesse agora nem o percebias de tão pequeno que é esse mundinho e vidinha em ti.

Queres saber porque é que ainda não te matei?
Porque nem darias conta.


Adore Adore - Yoav

O bilhete...


Um bilhete ao fundo da cama.

A luz de um fim de tarde. Um corpo petreficado no término de um arrepio.


" Apesar de impossível, farei com que apartir deste momento a importância e relevância do que tinha para te dizer morra aqui mesmo, assim... agora.


Que a vida um dia te surpeenda e te faça lembrar a ironia dos factos em ti.


Que numa gargalhada se revele toda a compaixão por estecorpo que rejeitas com demasiada força. E que ao olhares para trás no tempo me revejas o rosto com aquela expressão de felicidade... Que te aperecebas que já não cá estarei, porque um dia abandonei Versailles."

|| Champs Fatais ||


Isabelle:
Como estás amor?

Matthew:
Estou a transformar-me fatal para incendiar aquele Casino, onde levitarei em perfume envenenado até ao amanhecer...

Isabelle:
Eu também me vou passear pelos Champs com umas amigas...

Matthew:
Grita em suspiro o meu nome pelos Champs. Devolve-me à cidade.

Isabelle:
"Pelo suicídio da noite negra consomes o teu próprio sangue...revoltado com a rebuliao de sentimentos que te atravessa nesta hora...é o diamante ensaguentado a mostrar-te outra face, outro reflexo...que afinal somos humanos, frágeis e vulnuraveis...com o sabor a cinza na saliva e um pesadelo de imagens, memorias em chamas, és todo sofrimento e angustia...mas ninguém disse que era fácil, este jogo estúpido do amor, da paixão doentia...da possessão...ninguem disse que era fácil...cansa ser perfeito todos os dias."