segunda-feira, outubro 19, 2009
Dream of caramel
"Vou-me embora entre aqueles que me tocaram a alma e não conseguiram despertar o meu corpo e aqueles que me tocaram no meu corpo e não conseguiram atingir a minha alma.
Existe uma criatura misteriosa nesta noite... a tentação hoje é um pecado que prevejo nos meus lábios."
in Think of Cinnamon ...
A carne I
A forma... o cheiro, a pele.... a carne.
Tudo ao mesmo tempo numa tempestade de raiva cujos os reflexos insurgiam apenas a dor.
O silêncio.
O som ensurdecedor da máscara de ferro contra o chão.
O sabor... o sabor do sabonete e o travo de citrino que interrompe o cigarro.
- Porque fumas agora?
- Porque me apetece.
- Não devias.
- Porque fumas desde sempre?
- Ok.
O cheiro, a pele, a forma... a carne.
As tuas pernas frias contra o teu peito num compasso de ansiedade.
A agitação, os corpos.
Eram 3 da manhã e os lençóis denunciavam a turbulência do sono suspenso sobre o fio da navalha com que te auto-flagelas.
Fui dar contigo a esquecer-nos... fui dar contigo a perceber o que tinha acontecido e a fechar os olhos com toda a força, para mais uma vez conseguires adiar o inevitável.
O cheiro, a forma, a pele... a carne.
A pele que cobre o peito onde os rios de sangue bombeiam um fascínio absurdo pelo homicídio onde a estética da morte te adormece os sentidos.
Os teus quase lábios sobre os nossos quase beijos. As mãos entrelaçadas como se, por terem nascidos cegas, surdas e mudas, fossem as únicas testemunhas de um crime que se poderiam manifestar sem ninguém a afastar.
A força, o sexo.
A máscara abrupta que se desfaz em mil pedaços e revela a nudez mais bela do crepúsculo contra o meu peito.
A estupidez de uma frase contida entre os dentes, o imutável prazer de que nos privamos.
Já não és o animal ferido com as feridas a céu aberto.
Odeias-me porque nos odeias na possibilidade de conforto de comigo adormecer encaixado, sem culpa, sem máscaras, sem roupa, sem sono, mas com o gesto, o sentimento... o nome que tanto lutas para tirar de mim.
quinta-feira, outubro 15, 2009
A vida, às vezes, acontece.
Não. Não és previsível... És uma obra serena que, na tempestade, consegue erguer muralhas gigantes. O defeito nessa obra é um imenso sucalco causado pelas chuvas de uma vida em que gostas de te passear descalço sobre a calçada. Só que a calçada não é tão afável como a area da praia onde imaginaste a eternidade.
Uma vez vi um menino todo contente por ter chegado à cidade. A "adultez" do seu olhar naquela noite de verão que se escondia entre os caracois dourados de uma criança naife, fizeram-me rever uma vida.
Naquela noite devia-lhe ter contado que às vezes o segredo que se esconde por detrás desta cidade é simples... "A vida, às vezes, acontece."
Naquela noite eu tinha acabado de chegar de Paris. Naquela noite morava em mim a velhice de uma Nounoune mas mesmo assim decidi sair e dançar pelos mesmos rodopios.
No chão encontrei uma peça amarela de um puzzle que outrora pertencera a um conjunto de cúmplices de Lalique...
Ergo a cabeça e encontro a voz quente na multidão. Aquela que mora conosco e cedo porque nos embala. Um mar feroz em revolta contido contra o imenso vidro do teu olhar. A tua pele que bombeava gemidos... aquele abraço interrompido pelo medo.
Lembras-te das libélulas de Lalique nos cabelos das mulheres de Klimt?
Apeteceu-me agarra-te e levar-te até lá para sarares essas feridas que não deixas a céu aberto.
Tenho-te trazido no pensamento e tenho-te abraçado com cuidado desde então. Adormeço e lembro-me da tua cara, da tua voz... guardo-te.
Trago-te guardado contra os meus braços e, no múrmurio do silêncio, susurro em tranquilidade - vai correr tudo bem, eu estarei mesmo aqui.
segunda-feira, outubro 05, 2009
Piccola Follia
Se eu pudesse tinha-te guardado comigo!
Trazias o perfume nefasto da dor que emergia em pequenas gotas contidas no teu olhar.
O que se passou?
O teu abraço forte de saudade e as palavras em surdina que continhas no gesto.
" Estás diferente, estás mais adulto."
E tu dizias que não, respondendo em silêncio que era apenas o derrame de uma dor que sabias que eu já tinha identificado.
Tornaste-te quase profissional naquela máscara... não quero voltar a encontrar-te assim.
Temos que dançar, dançar faz bem.
A vida é mesmo isso... é mesmo isto. É tudo, é uma grande folia em que sobrevivemos entre festas.
Anda cá, hoje faço-te eu o jantar e podes pernoitar cá em casa.
Até fechares as malas podes vir passando. Quando as tiveres que fechar, dou-te uma chave e um tecto será teu.
Après moi, Le déluge.
- Mas tu ainda estás a dormir? Eu não te posso deixar uma noite que dá nisto. Estás em casa? - Estou... mas que horas são? - Eu não acredito, o carro vai-te buscar daqui a uma hora. Tens tudo pronto? Vou ter que passar aí? E essa cara? imagino... - Aiii... menosss... eu vou, eu vou... deixa-me só despachar aqui umas coisas. - Não acredito! Quem é que aí está? - Va, já te ligo...beijo
Larga o telefone e estende o braço aos corpos que ali adormeciam.
As pernas entrelaçadas nas suas revelavam a fragilidade daquele que se mostrou mais forte na noite anterior.
Olhou em torno da cama e o cenário recordava-o daqueles tempos de La belle Époque... Extraiordinário – pensou.
Os copos partidos no chão, as garrafas e as roupas espalhadas por toda a casa inspiravam o seu sentido de humor logo pela manhã.
Levanta-se, nu, e agarra num blazer de veludo verde-escuro que estava mais perto de si do que lhe pareceu num primeiro olhar. Apanha o camafeu do chão e coloca-o na lapela.
Desce as escadas e liga a máquina de café enquanto procura um isqueiro que tivesse sobrevivido ao caos e lhe pudesse acender o cigarro amassado que encontrou no aparador.
Abre a janela e acende finalmente o cigarro. O tempo tinha mudado. A humidade daquela serra de Sintra entrava assim pela casa adentro num presságio de silêncio que o levaram até Bordeaux.
Do outro lado da rua estava a vizinha com aquele ar de quem, pela milésima vez, assistira aos gemidos e excessos da noite anterior. Ela tentava sempre não olhar quando ele estava à janela mas era mais forte que ela. Ele, enquanto fumava, expunha-se num reflexo facial mais do que sórdido na espera da cedência daquela velha moralista insuportável.
Era já um ritual... era sempre igual. E ela cedeu.
Ao olhar partilhava assim com ele a sua nudez e com isso o pecado que ela tanto criticava com telepaticamente. Assim ele ganhava o jogo da manhã. Ela cede à tentação o que faz dela uma rameira pecadora, e com isso jamais falará do que sabe.
Pobre desgraçada que vive presa a uma enormidade de disparates católicos que a levam até a partilhar a culpa de crimes que nunca cometeu. Ridícula – chegava ele à mesma conclusão de sempre.
Com o cigarro na boca, uma mão apoiada no parapeito da janela, deixa-se levar pelo momento e insinua o gesto de prazer ao tocar-se mesmo ali, em frente a ela.
Ela, invariavelmente, fecharia a janela naquele momento como sempre fez.
Estranhamente ela ficou ali, imóvel, cruel, sem fechar a janela e desta vez, com isso, ele começava a ganhar-lhe algum respeito.
É subitamente surpreendido pelas costas. Chega um dos gémeos com quem tinha festejado.
- Bom dia... deixa a velha tarado...
- O teu irmão ainda dorme?
- Sim... Queres café?
- Quero. Vocês têm que se despachar.
- Porquê? Isso são modos?
- Deixa-te de merdas... é hoje a merda do almoço.
- Foda-se! Esqueci-me!... é a que horas?
- A Laura disse-me que o carro vinha-me buscar dentro de uma hora... quer dizer, tenho 40 minutos agora.
- Merda... vou chama-lo! Ninguém pode ver-nos aqui! Quem é que te vem buscar?
- Segundo a Laura, um carro enviado pela tua mãe, porque não aproveitas a boleia.
- Tens tanta graça tu. Se ela soubesse nem um táxi enviaria!
- A tia adora-me e nem sonha ela o quão faço feliz a sua família...
- Nem brinques com coisas sérias...
- Va, chega aqui, a velha hoje está resistente, vamos mostrar-lhe como se faz...
- Porco! Deixa a infeliz.
O telefone volta a tocar. Era a Laura a relembrar o dress-code e a dizer que viria no mesmo carro que já estava a caminho.
- Quem era?
- A Laura está a chegar no carro que a tua mãe enviou. Parece que a tia foi generosa e estendeu o seu favoritismo até à Laura.
- Merda... temos que sair já. A Laura não nos pode ver aqui. Vou acordar o Pedro.
A campainha toca entretanto. Não havia mais nada a fazer, ela já tinha chegado.
Existem sítios no mundo em que um Domingo regular começa com um bom pequeno-almoço, o jornal e uma ressaca leve da noite anterior seguido de um dia inútil entre amigos em que se celebra o facto de estar presente a mais um belo dia de vida de uma forma quase que hedonista.
Existem outros em que, para fugir à rotina, outros domingos tornam-se diferentes porque o mais belo escondido da vida também também se pode revelar atrás de um segredo.
segunda-feira, julho 13, 2009
Heavy Cross I
Estava deitado sobre a beira da piscina a relembrar a noite de sexta-feira.
Muitas vezes pensou que "as sextas deviam ser proibidas porque acabo sempre por fazer algum disparate", mas naquela tarde, enquando dançava com a mão sobre a água para manter a lucidez, o sorriso era mais forte na sua cara.
Carregava consigo um "novo segredo".
Aquele olhar, aquela voz...
Chega o Gonçalo - o seu velho confidente - e faz-se anunciar com a sua própria sombra sobre a cara dele:
- A sonhar acordado? Que sorriso é esse?
- Aiiii (suspiro)... acho que me vou apaixonar...
- Uhhhhh... e chegou o Verão!
- Não é o Verão, é a vida...
- Mas quem?
- Não conheces...
- Impossível! Va, conta.
- Tens razão...
(e o sorriso rasgado brilha ainda mais do que as suas "famosas" pulseiras sobre aquele cenário)
- Estou à espera...
- Por equanto ficamos assim, pode ser que hoje o conheças.
- Hoje? Mas não dormes cá?
- Não, preciso de dançar, o calor que há dentro de mim precisa de se libertar numa multidão.
- Ok, então vou acabar as arrumações e já falamos melhor. Sim porque acaba de sair o teu divórcio e já estás a preparar um filme! Até tenho medo!
- Não tive a culpa, juro... e além do mais sabes bem que já lá vão uns meses que nós nos separámos.
- E? Já imaginaste no que isso pode dar?
- Menosss... o divórcio não deixou qualquer "nuvem negra" sobre nós. E além do mais tenho estado com ele e a mim parece-me que ele já mal se lembra. Estamos bem!
- Va, vou-me despachar. Ligou-me agora a minha irmã a dizer que há uma festa hoje à noite no Palácio de Cristal.
- Parece-me perfeito para esta noite!
(e a gargalhada, num tom mordaz, abandona a conversa e passa aos mojitos até o sol desaparacer)
follow the leader, or make up all the rules,
whatever you want, the choice is yours,
So choose,"
quinta-feira, junho 25, 2009
Lèvres Suspendues
along with the 38 carats Christina Onassis diamond necklace
- Estás bem?
- Estou, preciso só de apanhar ar... obrigado. E tu? Como estás?...não sabia que também vinhas.
- Eu vi... eu ouvi...
- O quê? Não estou a perceber.
- A vossa conversa. Estás bem?
- Que coisa feia andar a ouvir as conversas dos outros...
- Não sejas irónico... estava mesmo atrás de ti, não pude evitar.
- Podias ter evitado ficar a ouvir, mas não... as personagens que se estendiam à tua frente eram demasiado interessantes para ti.
- Não sejas estúpido... estás tão bonito...
- Obrigado, mas...
- "... limito-me a cumprir com a expectativa.", não é o que ías dizer?
- (sorriu)
- Mas conta-me, como estás? Tenho saudades tuas...
- Ai sim?... foi por isso que vieste?
- Também...
- Tu também me pareces bem. Vou buscar qualquer coisa para beber e fumar um cigarro ao terraço.
- É um convite?
- É uma informação apenas...
Desliza a mão sobre a mesa de apoio e contorna o sofá. Por entre os convidados, sorrindo, caminha até à mesa das bebidas. Deixa-se ser servido e agradece com um sorriso mais do que previsível. Sente o cansaço daquela noite e dirige-se então ao terraço. No caminho é interpelado por Sarah que ostentava um enfeitiçante colar de brilhantes.
- Ora, ora... Onde pensas que vais sozinho?
- Sarah... estou sem palavras.
- É lindo não é?
- É um...?
- Sim querido, é mesmo. Esta noite o Duarte trocou-me por mais uma noite de, enfim, negócios e eu decidi não vir sozinha.
- Quando se vem com Harry Winston até podemos vir sós que a o mundo inteiro nos fará companhia.
- Como só tu me compreendes... sinto tanto a tua falta.
- Eu também. E nos dois sentidos.
- Eu percebi à pouco...
- O quê? também ouviste a conversa?
- Não. Bastou-me a devida distância de segurança e a linguagem gestual. Aliás, quem me chamou a atenção foi a Leonor...
- Que horror... Mas enfim, já passou.
- Terá passado?
- Sim, já foi embora, acho.
- (Num tom malicioso) Sim, mas não era a essa criatura infeliz que me referia meu querido, mas sim aquela que estava exactamente atrás de ti e com quem falaste logo a seguir.
- És incrível! Não te escapa nada, és absolutamente assustadora sabias?
- Sei meu querido, se sei... aliás, essa é só uma das muitas razões porque me amas.
- É verdade. Mas bem, deixa-me ir...
- Para o terraço?
- Como sabes?
- Daqui consigo ver quem te espera por lá. Toma, leva mais este copo, vais precisar.
Sorri, e cotorna o seu próprio tronco. Ao fundo o terraço e aquela figura solitária a olhar para si num silêncio de espera. Despede-se de Sarah e atravessa então a multidão, rumo ao único lugar onde se poderia ver a cidade por inteiro e sentir o ar daquela rua nocturna.
Agora...
- Diz-me... o que me querias?
- Quando?
- À dois anos atrás.
- Agora?
- Sim, agora.
- Tudo.
- Agora?
- Não, agora ... nada.
- Como é que viemos aqui parar? Que forma é esta de nos vermos?... diz-me, estou só.
- Não te sei responder a essa pergunta. E mesmo que faça uma ideia, agora, já não quero.
- Não fazes ideia de como está a minha vida...
- Pois não, mesmo assim.
- Estou na merda, percebes? Agarra-me, da-me atenção.
- Quando?
- Agora...
- Agora?... lamento.
- Tu mesmo disseste que nunca seria tarde demais.
- À dois anos atrás...
- Sim... mas o que mudou?
- Tudo, sabes bem.
- Porque não te desarmas e me abraças de uma só vez?
- Porque nem sequer estou armado. Porque, agora, já não te quero abraçar.
- Continuas cruel... como és capaz? Eu estou aqui! Aqui! Tens noção?
- Tenho a mais perfeita e clara das noções... e nela, também sei que não continuo cruel mas sim real.
- É uma vingança? Diz, eu sei que merceço...mas nao agora... por favor...
- Não. Por muito que te fizesse feliz a ideia, não é de vingança que se trata. Trata-se de amor.
- Eu sabia que ainda me amavas... eu sabia. Então que sentido faz agora não me perdoares e me aceitares?... por favor, estou aqui, aqui.
- Lamento. Trata-se de amor, sim... mas por mim.
- Como te atreves?
- A me amar?
- Não, a não me amares a mim depois de tudo.
- Precisamente... depois de tudo.
- Da-me uma oportunidade, perdoa-me...por favor.
- Estás perdoado à já mais tempo do que possas imaginar.
- Podemos sair daqui então? Vamos até minha casa, afinal de contas ainda não a conheces.
- Podemos. Mas não para tua casa. Nem juntos sequer para lado nenhum.
- É por isso que te odeio... porque é que a nossa relação é assim?
- Chega... já bebeste demais.
- Porquê? Tens vergonha de mim agora? Tens medo que alguém repare?
- Chega... vai ter com os teus amigos...
- Está tudo demasiado vidrado na sua própria vaidade, ninguém repara, não te preocupes. Vem.
- Está toda a gente a olhar discretamente para nós, chega... nunca gostei de cenas em público, sabes bem. Vai-te embora, a sério... não piores as coisas.
- Ainda há qualquer coisa entre nós, eu sinto.
- Há... de facto. Um profundo respeito por tudo o que vivemos em tempos, e uma dolorosa tristeza por aquilo em que te tornaste.
- Odeio-te cabrão. Odeio-te.
- Eu também te amei um dia.
- Quando é que isto acaba? Daqui a dez anos?... daqui a dez meses? Diz-me...
- Já acabou à tanto tempo.... va, já chega... Vai-te embora, por favor.
- Quando?
- Agora. "
terça-feira, junho 23, 2009
Quente Sopro
Levanta-se e aquela imagem não lhe saía da cabeça.
Agarra no telefone e simula a marcação do seu próprio número. Sentia uma necessidade absurda de soprar aquele segredo que vivera enquanto dormira.
Fala como se para dentro de si contasse a verdade, na ilusão que de lá não voltasse novamente.
Quando eu me aproximei, tu estavas de costas como se não tivesses dado conta que eu estava ali. Entre a multidão puxaste-me com o teu braço contra as tuas costas, sem me olhares uma só vês. Viras então a cara e sorris. Como se nada mais houvesse a fazer para evitar aquele momento. Não nos valia de nada continuarmos a esconder-nos, muito menos de nós mesmos. O divórcio sentia-se marcado na tua cara. A dor de todo o processo não te permitiam fôlegos de extravagância. Foi tudo em câmara lenta. Como se o silêncio gritasse de alguma forma o teu desejo de me pertenceres para que eu te guardasse, agora para sempre. A tua pele tão branca. Os teus caracois loiros. O teu sorriso que revela aquele criatura adulta que ainda não desistiu de ser criança.
Noutro frame, já de olhos bem cravados nos meus, dizes-me num tom baixinho que precisas de dormir. O teu corpo chora e pedes que te abrace ao adormecer. Somos surpreendidos pela fatalidade do destino, pela clarividência contra a qual sempre lutamos... Somos surpreendidos por aquela fatídica noite de Verão em que, por querer, te despi e te guardei.”
Congela-se a si próprio e, no verbalizar daquelas daquele sopro percebe o inevitável.
Pousa o telefone abre a janela.
Abre as portadas estendendo os braços no gesto. A brisa quase inexistente faz-se sentir, ainda assim, no seu peito, na sua cara.
A noite estava ainda demasiado quente para correr o risco de adormecer.
domingo, maio 24, 2009
Medo
As horas... aquelas que faziam o seu corpo estremecer entre o vazio e a insanidade.
Antes de sair daquela casa assim de repente parou no corredor.
Em frente ao grande espelho sobre o aparador parou como se os ponteiros do relógio congelassem o mundo naquele momento.
Como teria ido ali parar e quem era aquela imagem desfeita que via agora reflectida sobre si?
Ja no carro segue em frente sem rumo pelo entardecer.
As lágrimas de sangue escorriam-lhe por entre cada minúsculo pedaço do seu corpo.
E a falta de ar...o sufoco...o peso no peito.
Aquele sentimento atroz que prometera a si mesmo, à muito tempo atrás, jamais se permitir a viver novamente.
Anoitecera e deu-se conta que já deveria estar parado sobre aquela paisagem abrupta à algumas horas quando regressa por fim a casa.
Ao entrar cruza-se com Leonor.
- Onde estiveste? Estás com um ar terrível. Não vais ao jantar?
- Fui dar uma volta e sim... não te preocupes.
O desiquilibrio assombrava-lhe os movimentos e a vontade de desaparecer inundou o quarto assim que entrou.
No chuveiro, deixa que a água leve as últimas gotas de verdade que lhe caiam dos olhos.
Sai de cabeça erguida e prepara-se para estar fatal.
Na manhã seguinte acorda e reconhece o corpo a seu lado. A dor, as horas, e novamente a vontade de sair dali e desaparecer...
O telefone toca:
- Gostei de te ver ontem, já tinha saudades tuas.
- Não posso falar contigo hoje...quando te abracei... desculpa.
- Mas porquê? Eu tinha mesmo saudades tuas...
- Ele viu, e não te posso causar problemas. Não agora, não hoje, sinto o peso das horas e não consigo respirar, desculpa.
- Estás bem? Pareceste-me tão extraordinário como sempre ontém quando te vi, como o príncipe que sempre foste, a descer a calçada com ele, deixando a madrugada incendiada pelo teu perfume.
- Aiiii... não consigo...agora não?
- Mas...
- Desculpa.
Estava no bar de sempre quando encontra a Sam.
- Meu amor, deixa-me aproveitar a tua companhia antes que me fujas novamente.
- Ora ora, eu nunca fujo...
- Desapareces entre o fumo, não sei o que é pior.
- Va, o que queres beber?
- Estou servida, obrigado. Mas quero dormir contigo. Esta noite promete-me que serás só meu.
- Não posso prometer nada que à partida não irei cumprir.
- Cabrão, é por isso que não te resisto. Nem quero...
- Que disparate, va, conta-me tudo. Como estão as coisas com o Pedro?
- Sou mulher de um homem só, sabes bem...
- ...de cada vez, sei.
- Estupor, como te atreves?
- Também gosto de ti.
- Estás lindo...foi a nova relação que te deu esse brilho? Sabes que sei de tudo!
- Não, foi o medo.
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.
E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.
Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim."
sábado, abril 18, 2009
Dancing with Birds & Killing the Crow
Pietro chegou finalmente de Paris. Mete a chave à porta e pousa as malas no corredor.
No aparador abre a carta com o recado do seu room-mate.
"Cheguei a casa e vomitei. Ontém. Devias ter cá estado.
Fui cortar o cabelo e já não regresso. Tens aí os convites para a festa e é lá que te espero.
A Laura vai-te buscar às 22h. Na cozinha tens um jantar pronto a aquecer que te deixei! Quem é amigo, quem é? Cruzei-me ontem com ela. Cabra de merda que me irritou! Hoje dou-te razão. Ela não faz mesmo ideia do que realmente está acontecer por isso fui cortar o cabelo.
I'm back on track my dear friend!
Lá estarei, já perdido certamente, pela noite a fora à tua espera na festa."
Olha parta o relógio e percebe que são agora 21h.
Estava definitivamente em Lisboa.
terça-feira, abril 14, 2009
Le Temps De L'Amour
- Estava a ver que nunca mais chegavas bitch.
- Nem me digas nada, rasguei as collants a sair do metro...
- Uh... Nem quero saber porquê.
- Antes fosse por isso, mas em 3 linhas que apanhei até aqui não vi um único que valesse a pena.
- E este sol? Que merda é esta assim de repente? Doi-me tanto a cabeça...
- De ressaca, pois bem. Eu avisei-te ontém. O que é que estás a beber?
- Nem me lembres, estou-me a sentir as tuas collants rasgadas.
- Cabron!
- Mojito.
- Da-me um cigarro antes que os fumes todos.
- Bem ontém onde foste parar que quando fui tomar o pequeno-almoço já tinhas o telemóvel desligado?
- Estava a contar "raxas do tecto"... Nem me faças lembrar, eu sou mesmo otária e achei que era desta que aquele merdas me conseguia surpreender.
- Eu avisei-te. Mais ou menos quando me avisaste que iria estar de ressaca hoje.
- Foda-se... E estas putas destas collants que foram caríssimas. Acho que ainda passo ali em casa da Isabelle antes de irmos jantar para lhe pedir umas emprestadas.
- Olha, e pede-lhe também o irmão... para mim, hoje bem que dava umas trincas naquilo.
- Vinho no metro e uma anormal de uma velha vinha a falar daquelas balelas à neta. As estações do ano e merdas dessas, o que traz cada estação...
- Já te consigo imginar com vontade de vomitar em cima dela com esse teu look narcótico.
- Não, e o pior é que não se pode fumar lá dentro! É se ao menos eu pudesse fumar aquela agonia passava.
- Meu amor, só te falta mesmo isso...
- Mas bem, a puta da velha não se calava e eu rapidamente comecei a pensar na vida pra ver se não sentia a voz dela cheia a entrar-me pela cabeça. E cheguei a uma conclusão.
No Outono tu apaixonas-te sempre e eu termino relações...
- As relações que começam no Outono estão traçadas ao infortúnio regado de drama de classe B.
-...no Inverno soltam-se os vampiros da noite e esta cidade vira um bordel onde nos encontramos todos. Parecemos animais loucos ou estamos numa relação que vale a pena pelo frio que faz lá fora e o calor que nos faz a companhia;
- E as putas fingem-se santas e as santas revelam-se putas.
- Na primavera está tudo maluco. Tu geralmente acabas as tuas relações de Outono e la vens com a mania de mudar de lugar, mudar de vida. E eu estou a ver se não me deixo levar pela multidão de andorinhas que me agitam as hormonas.
- Tu só podes é ser parva! Desde quando ainda tens alguma relação de jeito na Primavera. És a primeira a dar sinal...
- ...pronto, chega o Verão! É a liberdade total! Ja toda a gente se bronzeou e fez dieta. O mundo pode estar a acabar mas estamos todos super giros e prontos pra todas as festas. As minhas relações vão ao ar e lá embarco na multidão. Toda a gente dorme com toda a gente (que já sabe que vai repetir nas noites frias do próximo Inverno) e acima de tudo está tudo felíz!
- Moral da história?
- Não sei, não tem moral possível mas... quando é que esta merda deste calor e chuva desaparecem pra vir o Verão mesmo?
- Mais dois Mojitos por favor. Vende Lucky Strike?
Le Temps De L'Amour
by Francoise Hardy
As Libélulas de Lalique nos cabelos das mulheres de Klimt
O seu corpo estendido sobre o cadeirão, que arrastara para o sol que inundava o terraço, descansava as pálpebras que o separavam do mundo real e o mantinham a viajar pelo silêncio do sol sobre a sua pele.
Deslizava as pontas dos dedos sobre o braço de madeira daquele cadeirdão romântico que, com orgulho, tinha recuperado de 1948. A coreografia que desenhava faziam-no imaginar que conseguiria acompanhar os compassos da melodia, em piano, que tinha deixado a tocar no interior da casa e que o abraçava ao dançar pelas janelas.
O tempo era absolutamente inexistente naquele lugar.
Sente a presença da matriarca a aproximar-se pelas suas costas. O tecido que ela agarrava da longa saia, para que os seus passos não interrompensem a quietude, eram denunciados pelo seu perfume campestre que assumia naquele condado. A flor simples, amarela, que teria recolhido da floreira na fachada, girava em espirais entre os seus dedos. A plenitude de uma estação do ano que se enche de esperança pela fertilidade natural e pela fantasia de alegria contagiante pela cor e pele mais livre.
Silenciou o seu próprio pensamento e evadiu-se de si mesmo.
A sua própria beleza naquele momento trazia-lhe um antídoto para a dor que sentia.
“- Chegou a primavera, meu querido.
- Bem sei … não sei até se consigo resistir a esta sua chegada.
- Ora, ora… se há coisa que até tu me ensinaste é a não resistir à vida, sobretudo quando ela nos aquece assim a pele. Fecha os olhos va… abandona-te ao sol e deixa-te adormecer.
- Tens razão, afinal de contas, um príncipe ao final do dia...
- ... é apenas e só mais um príncipe.”
Adormeceu, por fim, com um sorriso imenso nos lábios. A vida, por mais voltas que desse, acabaria por lhe revelar sempre um recanto onde tudo lhe continuaria a saber sempre bem.
I tried to keep the crowds away
"Eras tão infinitamente diferente de mim. Houve um dia em que a tua simples presença parecia recordar-me a memória da inocência que haviam manchado. Interroguei-me como era possível que alguém tão bonito como tu pudesse ter escapado ao estigma de uma época sórdida e sensual."
Sem aviso surge o teu avesso em combustão que questionava tudo num exercício alucinante de tudo quantificar para assim lhe poder dar um nome em que confiasses. Uma procura matemática descontextualizada em que aniquilavas meticulazamente cada molécula e partícula da forma ainda demasiado nova de mim em ti. Surgem então as palavras do medo. Aquelas que a vida já me tinha mostrado em tempos e que me ensinaram a dar espaço entre elas e o corpo. Quando me divorciei de ti, no dia em que, curiosamente te iria pedir em casamento, fi-lo por nós. Não poderia permitir que me tivesses entre o ar que respiravas se, na confusão da tua cabeça, questionavas-me em ti. Dei-te espaço, tempo para pensar.
"Acordei-te e não fizemos amor, fizemos sexo. O único, por sinal, não perfeito entre nós. Depois do orgasmo senti um arrepio. Tu paraste e disseste:
Que cara é essa? Não gosto nada de ver essa tua cara. Sinto-me estranho. O que se passa, diz-me.
E eu disse-te."
"Repeti a pergunta em silêncio, somente para mim. A mesma pergunta que não me soubeste responder quando te sugeri o divórcio."
"Entrei no carro e abri as janelas até ao limite. Pela auto-estrada aumentei o som da música e senti-me livre como, contigo, me fazias acreditar que era errado em mim. (...) Silenciei os moralismos que nunca me pertenceram e desliguei a tua voz. Tenho saudades tuas."
Ao som:
This is the Dream of Win and Regine
by Final Fantasy
quinta-feira, março 26, 2009
The Keys
Jeremy: No. No, I couldn't do that.
Elizabeth: Why not?
Jeremy: If I threw these keys away then those doors would be closed forever and that shouldn't be up to me to decide, should it?
Elizabeth: I guess I'm just looking for a reason.
Jeremy: From my observations, sometimes it's better off not knowing, and other times there's no reason to be found.
Elizabeth: Everything has a reason.
Jeremy: Hmm. It's like these pies and cakes. At the end of every night, the cheesecake and the apple pie are always completely gone. The peach cobbler and the chocolate mousse cake are nearly finished... but there's always a whole blueberry pie left untouched.
Elizabeth: So what's wrong with the blueberry pie?
Jeremy: There's nothing wrong with the blueberry pie. Just... people make other choices. You can't blame the blueberry pie, just... no one wants it.
Elizabeth: Wait! I want a piece.
quarta-feira, março 25, 2009
Breath
Deitou-se sobre a relva. Atirou o corpo já quente sobre o solo e desejou desaparecer.
O silêncio daquela morte é interrompido pelo som do piano.
Na casa ao lado, a cúmplice do crime chorava a sua vida sobre aquelas teclas que outrora serviram de festim a uma juventude inebriante.
Inspira. Expira.
A sensação absurda de angústia no peito esmagava-o contra a terra. Queria desesperadamente adormecer e acordar num momento qualquer que não aquele.
A música… o compasso…
Fecha os olhos e percebe o gesto das mãos dela, algures sobre aquele martírio de notas, pressente a dor.
Que lugar era aquele para onde viajara com ela?Que estariam a fazer entre as linhas daqueles lamentos num profundo silêncio em que o gesto e o olhar assumiam a voz.
Sente o peso do ar sobre a pele e o imenso calor de um dia estranho de primavera.
Recorda-se do tal Verão em que tudo estava certo e ela ainda cantava com ele a loucura de ser felíz.
As frases, os sons, o barulho na sua mente era mais que muito e os seus pensamentos, à velocidade da luz, colidiam com tudo e o seu peito cada vez mais esmagado.
Solta um grito em surdina e, na violência do elevar do tronco abre os olhos que reconnhecem a espiral.
Solta a respiração contida e com as mãos dormentes ainda consegue sentir aquele cheiro.
O cheiro da porta de madeira que sempre sentiu naqueles momentos sem nunca perceber o porquê.
Ergue-se e de pé olha para a janela de onde o som fugia em veneno.
O som pára, ela largou o piano e estendeu-se no chão.
Ele imrompe pela porta e corre até ao quarto. Faz as malas sem saber para onde ir e entra no carro sem olhar para trás.
Está agora no aeroporto, de braços abertos, deitado no chão branco, à espera que o vão buscar.
by Marilyn Monroe
segunda-feira, março 23, 2009
Nantes me
since I've seen you smile
and I'll gamble away my fright
and I'll gamble away my time
and in a year, a year or so
this will slip into the sea
well it's been a long time, long time now since I've seen you smile
nobody raise their voices just another night to mourn to
nobody raise their voices just another night to mourn to
É cândido. É tão cândido...
Fez-me "regressar" áquela época, lembras-te?
Um dia levo-o lá... faço-lhe uma surpresa e levo-o lá.
Acho que nunca imaginou que vivi naquela terra.
Quero que ele veja aquela terra, beba aquela água, sinta aquele cheiro... oiça o ventro entre as árvores colossais...
Dance até cair e adormeça ao sol sobre aquela pedra.
Que trepe aquela figueira e corra atrás daquela broa de mel.
Lembras-te como era naquela época?
Eu dizia que ía ser trapezista e tu... aquilo em que te tornaste hoje, uma nómada viajante sem tréguas que vive a vida tal como a aprendi naquele tempo.
É tão cândido, é tão especial.
sexta-feira, março 20, 2009
A Máquina do Tempo
Deu-se conta que estava ali parado, com o a pouca luz que sobrava do dia a entrar-lhe em despedida pela janela, especado a olhar para a sua sombra sobre o chão de madeira.
Como se tivesse estado imóvel durante horas naquela exacta posição.
Sentado, no chão, sobre as suas próprias pernas. Como um corpo em oração de joelhos cansados que repousa o tronco sobre as pernas.
As fotografias espalhadas que tirara da caixa escondida atrás do armário. Uma das muitas “máquinas do tempo” que fechou em caixas ao longo dos anos para que um dia fosse surpreendido ao encontra-las.
Quando as criou, nunca terá pensado que se viria tão diferente e tão distante de tudo aquilo certamente.
Como a vida se mantinha verdadeiramente assustadora na sua velocidade e técnica de esquecimento.
Levanta-se e recarrega o som que, entretanto teria chegado ao fim. Senta-se na cama, de frente para a janela a contemplar aqueles pedaços de vida no chão.
Deixa-se cair sobre o colchão e de barriga para cima roda o corpo para ficar de pés virados para a cebeceira, e de cara suspensa no fim da cama. O sol… o que restava dele. Sobre a sua cara como se lembrou que fazia mil vezes naquela altura.
Fecha os olhos e adormece, na tentativa de, ao acordar, perceber que tudo aquilo não teria passado de um sonho. E de que na realidade o tempo não tivesse passado e ele ainda era aquele, com aquelas pessoas e aquelas imagens retidas agora no passado, espalhados no chão.
sábado, março 07, 2009
The Dream of Win and Regine
Fastigaste-me. És absurdamente arrogante. Currompes toda a verdade que envergas como uma bandeira com as descontroladas palavras e gestos em que manifestas a tua presença. És profundamente individualista e não medes o impacto do que dizes ou se medes ainda é mais assustador. Não consigo perceber como é que isso aconteceu.
Quando nos conhecemos, uma das primeiras coisas com que me fizeste pactoar fora a verdade. A absoluta e acima de tudo verdade. Pois aqui a tens. A verdade. Quando me embrieguei e fui ao teu encontro naquela madrugada fabulosa tu eras outro. No dia seguinte mordeste-me o coração com aquele presente que até hoje não concebes o quão certeiro foi em mim. Aquela banda-sonora de uma vida que vivi em luto e renascimento.
Foste certeiro. O teu olhar. A tua voz. A imensa beleza que reconheci naquela tarde em que o teu perfil era coberto pela sombra das folhas das árvores que simulavam uma trama de napron sobre a tua pele. Deixei-me ir. Deixei que me agarrasses o passo e parei para caminhar contigo. Fizemos amor pela primeira vez. O reconhecimento daquela que parecia uma já tão esquecida perfeição de encaixe entre duas peças perdidas, surpreendereu-me na manhã seguinte. A forma como os nossos corpos conseguiram aquela coreografia maravilhosa levantava a fantasia de que já tinham o destino do lado deles.
Eras tão infinitamente diferente de mim. Houve um dia em que a tua simples presença parecia recordar-me a memória da inocência que haviam manchado. Interroguei-me como era possível que alguém tão bonito como tu pudesse ter escapado ao estigma de uma época sórdida e sensual. Acreditei então na plenitude da diferença. Da imensa magia que se gerava por deixar todo o meu mundo e identidade para trás, e mergulhar no teu. De forma verdadeiramente disponível, de forma absolutamente crente.
Reparei em todos os detalhes e de todas as diferenças fiz uma mais valia numa prespectiva construtiva em que celebrava a existência de sermos eleitos. Contorci-me vezes sem fim naquilo que era o meu ar de conforto e o meu gesto de calor. Adapatei-me, esforcei-me. Acreditei que tudo fazia sentido porque senti que contigo poderia reconstruir, construir e viver uma boa história que eventualmente estava à nossa espera. E veio a surpreendente mudança de ti.
Sem aviso surge o teu avesso em combustão que questionava tudo num exercício alucinante de tudo quantificar para assim lhe poder dar um nome em que confiasses. Uma procura matemática descontextualizada em que aniquilavas meticulazamente cada molécula e partícula da forma ainda demasiado nova de mim em ti. Surgem então as palavras do medo. Aquelas que a vida já me tinha mostrado em tempos e que me ensinaram a dar espaço entre elas e o corpo. Quando me divorciei de ti, no dia em que, curiosamente te iria pedir em casamento, fi-lo por nós. Não poderia permitir que me tivesses entre o ar que respiravas se, na confusão da tua cabeça, questionavas-me em ti. Dei-te espaço, tempo para pensar.
Eu estava por perto. Até que subitamente, na mesma rua onde nos conhecemos, tu me consegues arrancar da multidão em festa e fugimos para tua casa. Não fizemos amor. O animal em mim revoltado pela sensação de despeito naquele rapto emergiu das cinzas. Passei a noite acordado. Pela madrugada fui-me apercebendo que não me respeitavas minimamente e que, com isso, nem fazias ideia de quem eu era. Não era minimanete coerente o teu sono descansado sobre o uso do meu calor gratuito que puxaste para a tua cama como se de um cobertor apenas me tratasse. Acordei-te e não fizemos amor, fizemos sexo. O único, por sinal, não perfeito entre nós. Depois do orgasmo senti um arrepio. Tu paraste e disseste: Que cara é essa?Não gosto nada de ver essa tua cara. Sinto-me estranho. O que se passa, diz-me.
E eu disse-te.
Tu eras afinal uma criatura muito diferente. Eras um clássico passivo-agressivo, que com os métodos mais retorcidos em voz dengosa, conseguira fazer-me sentir sempre o culpado.
Percebi nesse momento que eu afinal não era o mau da fita. Que eu era melhor pessoa do que tu… que eu afinal era mesmo boa pessoa e o meu único erro foi estar disponível e ter tentado ser maduro na construção de uma imagem que me iludiste que partilhavas comigo.
Repeti a pergunta em silêncio, somente para mim. A mesma pergunta que não me soubeste responder quando te sugeri o divórcio:
“Como é que se abandona uma pessoa de quem se gosta?”
Percebi a verdade da resposta que encontrei naquela noite. Repeti-a naquela manhã. Entrei no carro e abri as janelas até ao limite. Pela auto-estrada aumentei o som da música e senti-me livre como, contigo, me fazias acreditar que era errado em mim. Fui rever as minhas terras e passear pelos meus cheiros. Entrei em casa e matei saudades de Callas enquanto escolhia alguns bons vinhos para me retomar a cor do sangue. Sorri sem pedir desculpa pela beleza infinita que reconheço em redor de mim. Vesti-me a rigor e recebi os meus bons e velhos amigos que, na volúptia da noite, discturam sabores e gestos perfeitos em tertúlias leves. Sem pedir perdão reconheci-me de volta e percebi que tinha tido saudades imensas de tudo em mim. Silenciei os moralismos que nunca me pertenceram e desliguei a tua voz. Tenho saudades tuas. Mas a cada dia que passa, por muito que ainda te pertença, vou-te pertencendo cada vez menos.
Sabes, no fundo, que me assiste o direito de não correr mais atrás de ti e que para me agarrares verdadeiramente terás que ser tu a seguir-me e a demonstrar que fazemos sentido. Quando te disse que seria a tua maior burrice se te encostasses nesse confortável âmago de tristeza e acabasses por me perder, estava a falar com a mesma verdade com que te conheci.
Hoje. Hoje, depois de falar contigo à pouco em que me desafiavas já para outra discussão, estou em paz. Porque sucumbi à beleza, ao delírio e até ao âmago…mas sucumbi à verdade absoluta em mim que me traz a felicidade de reconhecer que afinal ainda vivo a vida que quero.
“- Como é que se abandona uma pessoa de quem se gosta?
- Vira-se as costas lentamente e caminha-se em frente tão simplesmente assim.”
Ao som:
This is the Dream of Win and Regine
by Final Fantasy
quarta-feira, março 04, 2009
O Alfinete Mal-me-Quer.
Pressiona a tecla com a ponta do dedo mais fino, deixando todos os outros nove em suspenso. A distância que os separa do teclado é variável entre si.
Levanta a cabeça e olha pela janela.
Está um dia incrível em que sinte chegada a hora de partir.
Pela primeira vê a criança da casa em frente. Sempre soube que ela existia lá dentro mas nunca a tinha visto antes.
A misteriosa criança brinca no jardim com qualquer coisa de minúscula na mão.
Parece retirada de um livro infantil.
Usa umas collants auiz turquesa, de inverno, sob uma saia encarnada rodada, e do tronco apenas se avistam as mãos porque tudo se esconde por debaixo de uma capa branca, presa por um alfinete amarelo mal-me-quer. O cabelo, mal cortado, é mesmo escuro…
Quase tão preto como o pêlo do cão com quem fala.
Achou estranho… nunca a ter visto antes e já devia ter uns quatro ou cinco anos.
Senta-se à janela ao som de Anne Queffélec.
Percebe que se algum dia conseguir dominar o piano, é exactamente aquilo que quer tocar.
Acende um cigarro e deixa-se invadir pela personagem no outro jardim.
Um carro chega à sua porta. Estaciona e ele não consegue reconhecer o vulto no seu interior.
A campainha toca e ele ignora, deixando-se ainda assim visível ao estender-se pela janela com um pé suspenso no telheiro que avança sobre a fachada.
A pessoa fala com ele.
Ele não responde… ignora sorrindo.
Aumenta o volume da música e desejou ter uma daquelas coisas de fazer bolas-de-sabão.
A personagem desiste. A criança pára de brincar, atenta ao que se passava. A pessoa entra no carro, revoltada, e abandona a rua.
A criança sorri e volta a brincar.
Ele tira os óculos escuros e sorri também, e com a cabeça estendida sobre o para-peito finge adormecer ao sol.
terça-feira, março 03, 2009
Inquérito sobre anormalidades sexuais
(cliquem aqui para ler tudo, vale mesmo a pena!)
Clara Ferreira Alves | |
"A única coisa verdadeiramente anormal é estarmos, em 2009, enquanto celebramos Darwin e o evolucionismo e quando temos satélites e armas inteligentes, nanotecnologias e PET-scans, supercomputadores e o supercollider, YouTubes e ai-podes, andar a dizer a um grupo de pessoas ai-não-podes."
"O Bush andou oito anos a mandar nisto e a dar cabo de mundo e é despedido com elegância e sem ser removido com algemas, e duas criaturas do mesmo sexo não podem casar."
"Os resultados autorizam-me a falar em sondagem e a concluir que 99% da população portuguesa é troglodita, quase troglodita ou troglodita assim-assim. Os outros 1% ou não sabem ou são homossexuais escondidos ou, pior ainda, são esse híbrido que dá pelo nome de bissexuais e que tantos casamentos felizes e famílias numerosas destroçou."
Patti Smith
um filme de Steven Sebring
No cinema, dia 5 de Março
Exclusivo // Cinema City Classic Alvalade
Av. de Roma, 100
Fui à festa de "tributo" a esta lenda conhecida como "madrinha do punk",
no SANTIAGO ALQUIMISTA e, se possível, não percam.
Sobre o documentário:
"O documentário maravilhoso e pessoal sobre a lendária rocker é tanto uma viagem ao passado de Patti Smith como um retrato da sua vida hoje."
in NEW YORK MAGAZINE
"Poucos documentários sobre artistas vivos entram tão profudamente na mente e nos corações dos retratados como este filme faz com a poeta e deusa do rock."
in NEW YORK DAILY NEWS
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
The Treehouse
Porque sim, porque existem pessoas mesmo extraordinárias!
Treehouse - Im From Barcelona
quarta-feira, fevereiro 25, 2009
Enviem dicionários para a Madeira ou metam-me mordaças na boca!
Não encontro o coiso."
E assim se manifesta, no meu "celular", mesmo a meio de uma aula logo pela fresquinha, esta criatura inacreditável!
ORA NÃO FOSSE ESTA ALMINHA DAS ILHAS DAS BANANAS e uma pessoa seria apanhada de surpresa e precisava de um dicionário!
A forma e o jeito com que estas gentes falam!
Oh Zeus...
Pois que desato a rir...
Reparo no silêncio que causei no resto da aula e na figura que estava a fazer!
Saiu-me um "Peço desculpa, é que recebi uma sms em criôlo e não aguentei."
À minha frente tenho o Marcolino (Sr.Com Idade pra ser meu Pai - AFRICANO)!
Boa Pedro, sempre a pontuar!!!
Étapes Dangereuses
Não estava trémula pelo convite, que desse não tinha, na realidade, a total consciência do que envolvia, mas sim pela circunstância em si.
O impulso do “receio” fez com que se dirigisse em voz naquela tão improvavel hora.
Terá decerto pensado alguns instantes antes de se decidir a falar. Mas o receio,camufelado de curiosidade, da “notificação” que recebera conseguio vence-lo e agiu.
A voz.
A surpresa e o alívio.
Não, afinal não havia sequer um único detalhe que podesse denunciar fosse o que fosse.
O respirar e o regresso então da voz mais segura.
Eis que surge o convite.
O convidado parou. Visualizou a forma e tentou imaginar a percentagem de ingenuidade versus a de inteligência nocturna naquelas palavras.
Declinou e pensou: O que seria se eu aceitasse. Ficarias a perceber o que ainda não desvendaste mas desconfias e eu ver-me-ia sob suspeita no olhar mais atento do felino em comum.
Há combinações muito específicas que só se tornam possíveis se vislumbradas na noite. A escuridão ilude todas as palavras que possam pairar, e as luzes artificiais tratam de lhes atribuir sempre a forma mais segura. Há combinações que vistas durante o dia revelam os segredos de uma cidade porque aí a luz paralisa a coreografia, e desvenda a real forma dessas mesmas palavras.
Seriam precisos mais 3.
sábado, fevereiro 21, 2009
Let’s dance tonight
at Hotel Farol Design // Cascais
Get me from across the floor
Everybody’s watchin’
But I just wanna give you more"
Uma tarde absolutamente perfeita.
O calor exacto, a brisa moderada. O mobiliário sofisticado. A paisagem absoluta. O Mar.
Saiu do quarto de hotel e entregou-se à esplanada.
Recosta o pescoço e fecha os olhos para que aquele ar puro lhe invadisse a cara.
O sol aquecia-lhe as pestanas.
- Boa tarde, vai desejar alguma coisa senhor?
- Sim… um copo de vinho branco, por favor. - Concerteza.
O empregado, vestido de branco, parecia a única pessoa para além dele naquele imenso continente de água.
Quando regressa com o copo informa-o:
- Tem uma visita na entrada. Devo dizer que está a descansar ou acompanho-o até aqui?
- Quem é?
- Disse apenas que era o seu advogado.
- Meu advogado, que disparate. Hum… Ele que venha, obrigado.
- Concerteza.
Nem foi preciso mais do que um segundo para saber de quem se tratava. As formas estúpidas que as pessoas inventam para passarem despercebidas. Ridículo.
Avista então a personagem a chegar, acompanhado pelo homem de branco sempre simpático.
- Bom dia. Não será um pouco cedo para beber?
- Boa tarde e já passa do meio-dia. Senta-te.
O empregado interrompe para perguntar ao “advogado” se desejava alguma coisa.
Uma estúpida garrafa de água, tão previsível.
- Como é que sabias que eu estava aqui?
- Usas-te a conta da minha mãe.
- Ai foi?…como eu estava embriagado. Já passo na recepção para repor isso. Se bem que ela bem me deve isto e muito mais.
- Talvez não tivesse sido necessário vires acompanhado.
- Uhh… cíumes? Não te parece um pouco tarde para isso?
- Não estúpido, a questão é que, para variar, ela ficou a pensar que tinha sido eu.
- E poderias de facto… Mas não terá sido por tão pouco que aqui vieste. - Foi, porque não é pouco. Como querias que não viesse cá? Tens noção da confusão em que me meteste?
- Porquê?
- Porque “a companhia” foi um homem. Um homem. E já deverias saber que até isso iriam dizer.
- Sim, eu sei.
- Sabes? Então porque o fizeste? Tu estás-te completamente a cagar para tudo, não estás? Não passas de um menino mimado que nunca tem que pensar nas consequências dos seus actos.
- Achas mesmo? Apesar de embriagado, meu caro, garanto-te que “as consequências” não me passaram de todo ao lado.
Bebe mais um pouco do fabuloso vinho que, de tão fresco, o fazia saborear cada molécula da sua vaidade.
- Com quem é que vieste?
- Queres mesmo saber?
E um sorriso verdadeiramente saboroso apodera-se do seu rosto. A vida tinha, de facto, momentos gloriosos de perfeição em si. O momento era tão emocionante que quase sentiu um arrepio na pele. Era a beleza da vida em si.
Era a realidade que finalmente se materializava depois da montagem da fantasia.
- Claro. Já agora gostava de saber com quem é que eu, supostamente, vim. Eu conheço?
- Sim…claro que conheces. Aliás, como te disse, poderias ter sido mesmo tu e não haverá forma de suspeitar que tenha sido eu se perceberes a naturalidade do momento.
- Não estou a perceber.
- Meu querido… na verdade, até poderias ter sido tu mesmo, porque eu trouxe o teu namorado.
O terror apoderou-se do cobarde que, mesmo envolto em pseudonimos, não consegui esconder o choque.
Matthew volta a recostar-se e termina o seu vinho.
Sorri e levanta-se abandonando o corpo petreficado no sofá.
- Vou ter que ir caríssimo. E não devias ficar desapontado comigo meu querido. Eu avisei-te. Mas olha, vou ter que te deixar. Deves estar a precisar de pensar e eu tenho que me preparar para mais logo. Hoje apetece-me dançar. Tem uma boa vida e, já agora, agradece à tua mãe por mim. O serviço aqui é fantástico.
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
Follow Your Dreams
Ainda nem eram 8:00 am quando entrei no carro.
O motor do carro é ligado e eu, ainda em modo "sleeping" ligo o rádio.
O sol com aquele frio matinal já à muito que não me prestavam muita atenção.
Estava uma manhã de quase primavera.
De repente...
Ceremony dos New Order invade aquela cápsula onde me conduzia.
Incrível!!!!
A "minha música" logo ao amanhecer.
Estaciono a viatura e dou comigo ainda a canta-la já na gare onde me apercebo do tempo que passou desde a última vez que me lembrava daquela vontade incrível de fazer coisas novas.
Agarrei no ipod e procuro a música certa.
Como não poderia correr bem o dia e como não poderia esta manhã marcar a diferença se, mesmo ao meu lado, entre as centenas de pessoas que esperavam o comboio, avisto uma míuda com uma mala que gritava.
"Follow Your Dreams"
Incrívellllllllllllllllllllllllllll!!!!
Pois é... e assim decidi... talvez tenha mesmo chegada a hora de regressar!
Um dia fabuloso, uma manhã extraordinária, a vida em cada esquina e o despertar dos velhos sonhos.
Voltei a estudar...foi estranho, mas soube-me bem.
Voltei à praia... foi estranho, mas também já merecia.
Voltei a verbalizar aquilo que quero... foi necessário e estranhamente saboroso.
Tenham uma boa vida caríssimosssss.